A notícia chegou rápida. Dom Clemente Isnard tinha falecido. Pelas seis da tarde do dia 24 de agosto de 2011, de repente, em conseqüência de parada respiratória, D. Clemente José Carlos Isnard concluía sua fecunda caminhada de 94 anos de vida, 74 de religioso beneditino, 68 de padre, e 51 de bispo. Como pedira a Deus, morria sem incomodar ninguém.
       Com a serenidade de sempre, concluía sua vida como quem encerrava uma Eucaristia bem celebrada. Ele que tinha dedicado à liturgia sua competência de perito e sua vivência de beneditino, terminava a vida como quem encerrava uma celebração tranqüila e harmoniosa. Morria transmitindo paz e garantindo bênção.
       O simbolismo da liturgia, que contagiou tanto a vida de Dom Clemente, envolve sua partida, como última lição deixada por ele. O cair da tarde evoca o declínio da vida. Às seis horas os monges acendem a lâmpada, que esconjura as trevas e ilumina as mentes. Da liturgia terrena, ele passou tranqüilo para a liturgia perene.
       Mas o simbolismo de sua morte não pára aí. Nestes dias finais de agosto, estávamos nos preparando para recordar Dom Helder e Dom Luciano, outros dois grandes bispos brasileiros, falecidos no mesmo dia, 27 de agosto, véspera da festa de Santo Agostinho.
       A estes dois bispos que desenharam com suas vidas a grandeza da CNBB, se junta neste final de agosto Dom Clemente, outro gigante que engrandeceu o episcopado brasileiro com sua competência e seu testemunho. Parece a subida ao Tabor, acompanhada dos três testemunhas escolhidos por Jesus: Helder, Luciano e Clemente!
       Dom Clemente foi um grande esteio da renovação litúrgica de toda a Igreja, promovida pelo Concílio Vaticano II. Foi ele que transmitiu segurança e firmeza à caminhada litúrgica promovida no Brasil pela CNBB.
       Sua nomeação para bispo de Nova Friburgo em 1961, foi de todo providencial. Iniciado o Concílio, ele foi logo identificado na CNBB como bispo de referência para assuntos litúrgicos. O primeiro tema abordado pelo Concílio foi justamente a liturgia. Dom Clemente se sentiu logo à vontade, como bom atleta que cai na piscina e nada de braçadas. Os bispos brasileiros sentiam firmeza nas orientações transmitidas por Dom Clemente.
       Terminado o Concílio, foi logo eleito para presidir o Secretariado Nacional de Liturgia, a quem estava afeta a ingente tarefa de implementar a reforma litúrgica preconizada pelo Concílio. E ele desempenhou esta missão com muita segurança e sabedoria.
       Exerceu diversos cargos, tanto em Roma como no CELAM e na CNBB. Permaneceu trinta anos na mesma diocese, até se tornar bispo emérito, quando generosamente aceitou a incumbência de ser o Vigário Geral na Diocese de Duque de Caxias. O que o guiava não era a busca de status eclesial, mas o serviço à Igreja.
       Como bispo emérito, teve a coragem de expor suas reflexões sobre questões eclesiais muito complexas, manifestando seus sonhos de uma Igreja reformada à luz do Vaticano Segundo. Publicou o livro “Reflexões de um Bispo Emérito sobre as Instituições Eclesiásticas atuais”, que permanecerá certamente como expressão madura de sua coerência de pastor e de seu testemunho de profeta.
       Tive a honra de gozar de sua amizade e estima, que sempre me comoveram pela nobreza de suas manifestações. Em carta que me escreveu de próprio punho, em julho do ano passado, manifestou de maneira singela sua disposição de trabalhar, apesar de sua avançada idade. Escreveu ele textualmente: “Ainda gostaria de viver mais alguns anos para concluir certos trabalhos…” E lembrou o livro do seu grande amigo, Padre Bugnini, secretário da Comissão de Liturgia durante o Concílio.
       Dom Clemente concluiu a grande liturgia de sua vida aqui na terra. Que ele continue lá no céu intercedendo por nós. Precisamos de seu exemplo para sermos coerentes com a caminhada de renovação eclesial, proposta pelo Concílio, e assumida de maneira tão generosa por Dom Clemente.
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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