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Certa vez, um jovem perguntou a Buda: “O que mais te surpreende na humanidade?” Com a franqueza de sempre, Buda respondeu: “Os homens que perdem a saúde para juntar dinheiro e depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde. Por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem o presente, de tal forma que acabam por nem viver o presente nem o futuro. Vivem como se nunca fossem morrer e morrem como se nunca tivessem vivido!”

A coruja é uma ave que tem excelente audição, uma enorme capacidade de enxergar no escuro e é capaz de girar a cabeça até três quartos da rotação total, o que permite a ela observar melhor as coisas que estão acontecendo ao seu redor. Graças a estas qualidades, a coruja é considerada por muitos povos o símbolo do saber filosófico. O ato de filosofar começa com a observação atenta da realidade e principalmente das ações humanas. Justamente o hábito tão simples, porém muitas vezes raro, de pensar sobre nossas ações as caracteriza como “humanas” e nos dá a garantia de uma vida mais autônoma e feliz. O ato humano se diferencia dos outros acontecimentos, pois ele não é simplesmente provocado, mas realizado, ou seja, nele encontramos uma razão, uma intenção como origem do fazer. Um ato é, por definição, um evento que se faz acontecer por uma consciência. Portanto, a essência de nossas ações está em sua racionalidade, na capacidade que possuímos de pensar. Para que um ser humano alcance sua autonomia é necessário que ele aprenda a pensar naquilo que faz, deixa de fazer ou pretende realizar. Quantas vezes vivemos sem saber, sem refletir sobre nossas ações e acabamos vivendo da forma que não desejamos. Aristóteles escreve em sua obra “Ética a Nicômaco” que a ação possui dois elementos fundamentais: o fim (telos) e a deliberação (bouleusis). Portanto, pensar sobre nossos atos significa, em primeiro lugar, refletir sobre os fins que pretendemos alcançar e sobre as escolhas que devemos fazer para alcançá-los. Todos os seres agem em vista a um fim, porque são movidos pela necessidade e desejam chegar a um estado de satisfação. O que diferencia os seres humanos de outros seres vivos é a consciência do desejo, a adequação deste com a realidade e a escolha de como e quando agir para atingi-lo. Uma ação humana torna-se satisfatória a partir do momento que a escolha que leva ao ato surge da combinação entre intelecto (nous) e desejo (orexis). O segredo para uma verdadeira autonomia é atingir um grau de consciência sobre nossos desejos e realizá-los através de nossos atos. Fazendo de nossa ação uma síntese entre a razão e o desejo nos tornamos sujeitos de nossa história e damos a esta o sentido que sonhamos. “Somos, no fundo, a transformação que queremos para o mundo” (Gandhi).

Tornar-se verdadeiramente autor de suas ações significa analisá-las também na perspectiva do bem e do mal. As ações são boas ou más, segundo seus fins e seus meios. Dormir depois do almoço pode ser muito bom, se a intenção é o repouso, a recuperação das energias, mas pode ser muito mau, se desejamos fugir do cumprimento de um dever. Analisar nossas ações implica saber confrontar as conseqüências de nossos atos, o “finis operis”, com nossas íntimas intenções, o “finis operantis”. Dar dinheiro a alguém é uma ação materialmente neutra. Este ato pode ser expressão de generosidade, de verdadeira partilha, quando o dinheiro irá ajudar outro ser humano a conquistar sua dignidade e autonomia. O ato de dar esmola, porém, pode gerar dependência de quem pede e servir a fins discutíveis, como satisfazer nosso orgulho ou tranqüilizar nossa consciência. Os nossos atos só são bons se a própria ação, o fim e as circunstâncias forem verdadeiramente bons.

Pensar sobre nossas ações significa deixar claro nossas responsabilidades. Estas, porém, devem estender-se ao que está em nosso alcance, em nosso “poder fazer”. Ninguém deve cobrar de si próprio o impossível, aquilo que não pode realizar. Em contrapartida, não é aconselhável escapar à responsabilidade deixando de agir. Muitas vezes queremos camuflar nossa omissão com o discurso da neutralidade. Mas se pensarmos bem, toda neutralidade é ilusória, pois nosso envolvimento é fatal a partir do momento que tomamos consciência dos fatos. De qualquer forma, somente através do hábito de pensar sobre seus atos e agir com reflexão é possível atingir autonomia, evitar erros, ter paz de consciência e viver a ética pregada por Jesus Cristo: a unidade e harmonia entre ato exterior e a disposição interior. Segundo seu ensinamento, não é possível contentar-se nem com uma boa intenção sem agir, nem com o agir sem a disposição que se precisa ter. “Nada de esplêndido jamais foi realizado, exceto por aqueles que ousaram acreditar que algo dentro deles era superior às circunstâncias” (Bruce Barton).

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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