A Noruega viveu na última sexta-feira, dia 22, a maior tragédia do país desde a Segunda Guerra Mundial. Dois atentados causaram 76 mortes. Primeiro, uma bomba explodiu no centro da capital, Oslo, na região onde estão localizados vários prédios governamentais. A segunda tragédia aconteceu em uma ilha próxima da capital, Utoya. Lá, Anders Behring Breivik, um homem de 32 anos, vestido com uniforme da polícia, abriu fogo contra jovens reunidos em um acampamento de verão. Ele foi detido logo depois pela polícia e admitiu o crime. O atirador – ligado à extrema-direita – também é responsável pelo ataque em Oslo.

Perplexo, o mundo contempla o país com altos índices de desenvolvimento que é a Noruega gemer de dor, impotente ao chorar seus mortos. E compartilha da perplexidade do povo norueguês por não compreender o objetivo e o sentido de tão brutal atentado. O que poderia mover uma pessoa jovem como Anders Behring Breivik a abrir fogo contra outros jovens que pacificamente faziam um acampamento de verão? Mais: como compreender o que o próprio Breivik declara no manifesto, afirmando estar movendo “guerra de sangue” a imigrantes e marxistas?

O manifesto, divulgado na internet na própria sexta-feira, poucas horas antes dos dois ataques, parece, em boa parte, copiado de um texto do terrorista americano Ted Kaczynski, conhecido como “Unabomber”, e que entre 1978 e 1995 matou três pessoas, enviando até 16 bombas a alvos diversos, como universidades e companhias aéreas. Porém, introduz outros conceitos, diferentes do predecessor. Conceitos tão herméticos e obscuros – dentro do contexto em que são invocados – como “multiculturalismo” e “marxismo cultural”.

Os alvos de Breivik, pelo visto, são os comunistas, os muçulmanos e quem sabe quem mais? Assim começou há mais de 60 anos, outra história que tinha como inimigos mortais, alvos de total extermínio não os muçulmanos e comunistas, mas os judeus. Enquanto o predecessor de Breivik, Adolf Hitler, fazia sua demencial trajetória Europa afora, 60 milhões de seres humanos foram deportados para os campos da morte, assassinados, torturados e usados como cobaias em laboratórios.

O estilo espetacular e exibicionista também ajuda a conectar os dois exterminadores. Ambos se acreditavam investidos de uma missão que para ser levada a cabo necessitaria de uma “revolução”, dolorosa, mas necessária. Além disso, têm ânsia por visibilidade. Enquanto Hitler organizava verdadeiros shows públicos de sua pessoa e de todo o exército que comandava, Breivik se dispôs a falar perante o juiz, mas com a presença da imprensa. Isso não lhe foi permitido.

Breivik é um fanático, que parece não recuar diante de nada para eliminar de sua frente aqueles que considera indesejáveis ou ameaçadores para o “sonho europeu” que persegue e difunde em suas mensagens pela internet. Os ataques que protagonizou, fundamentados por teorias de extrema-direita, deixam a Europa e o mundo em estado de alerta, já que uma onda de repulsa a imigrantes, declínio econômico, aumento do desemprego e medo crescente de retaliação de fundamentalistas islâmicos têm tomado conta de vários países do velho continente.

O que os tristes acontecimentos da Noruega nos dizem é que parece que o apoio a teorias xenófobas, como as que segue o atirador fanático de Oslo e da ilha de Utoeya, está crescendo. Vem da Bíblia o conceito de que a coexistência com ideias e companhias maléficas equivale a chocar o ovo de uma serpente. Em 1977, o notável cineasta Ingmar Bergman fez um filme com o título “O Ovo da Serpente”, ambientado entre a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, quando o nazismo nasceu e prosperou na Alemanha, encantando governantes de índole totalitária em vários cantos do mundo. O resultado é bastante conhecido e lamentado até os dias de hoje.

Eventos como o da Noruega parecem assustadoramente apontar nesta direção. Através do gesto tresloucado e das palavras mais ainda de Breivik, pode-se discernir o futuro provável da Europa e do mundo se providências enérgicas não forem tomadas para reprimir a expansão desta ideologia de extrema direita que retorna. Através das membranes finas do ovo, pode-se vislumbrar o réptil peçonhento e letal, perfeitamente concebido e pronto para atacar.

* Autora de “Simone Weil – A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco).
http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape/

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