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Há uma história solta em minha memória, sem registro de tempo ou de autor, que fala de ilusão.
É sobre um pudim. Lembro dela mais ou menos assim:
Casa cheia, visitas na sala, a dona da casa diz a empregada:
– Traga o pudim!
E tão logo aparece, pelas mãos da criada, aquele maravilhoso pudim, sobre um fino prato de cristal, prometendo prazeres gustativos indizíveis, calda reluzente e consistência visivelmente perfeita, a patroa interroga a esmo:
– Alguém quer pudim?
Mas, extremamente rápida, valendo-se de uma certa cerimônia que inibe a todos, antes que seja possível a algum dos convidados responder e aceitar, continua:
– Ninguém quer pudim?
E, diante da surpresa geral, retorna à empregada:
– Então, guarda o pudim!
E todos assistem, paralisados, o pudim ser levado de volta à cozinha.
Todas as vezes que penso nessa história, imagino esse pudim eterno. Que porque não é comido, sequer experimentado, continua sendo o pudim ideal.
Em seguida, é claro, penso na dona do pudim. Que, com certeza não quer, de fato, compartilhar o doce com ninguém. Ao contrário: quer apenas ver o desejo nos olhos alheios, para sentir o valor do que possui.
Impressionante como, na vida muitas vezes ficamos assim, boquiabertos frente a um “pudim” que nos é pretensamente oferecido e que, de fato, serve apenas de isca. Isca para capturar a energia de nosso desejo.
Confesso que já sofri muito por “pudins” que vi apenas de relance e muitas vezes cheguei a duvidar mais de meu registro da experiência, do que da sinceridade de quem me oferecia o prazer, só para subtraí-lo em seguida. Martirizava-me, pensando assim: vai ver não me ofereceram nada; vai ver, eu é que demorei demais a aceitar; vai ver demonstrei muita vontade; vai ver nem tinha pudim nenhum, eu é que delirei isso tudo…
Como é poderosa nossa capacidade de auto-sabotagem! Como é mais fácil duvidar da gente mesma!
A verdade é que precisei viver muitas vezes essa ceninha perversa, precisei compartilhar essa frustração com muitas outras pessoas, para me convencer que essa artimanha existe de fato.
Com o tempo, concluí que aquele pudim é falso. Do tipo desses que enfeitam vitrine de docerias, só para criar efeito. Por isso a dona da casa não pode servi-lo. Ela não tem, de fato, nada para oferecer. Ela, sim, vive de ilusão. Como na cantiga infantil:
– Siá Aninha diz que tem
sete saias de balão
É mentira ela não tem
nem dinheiro pro sabão!
Ahn! Ahn! Ahn! Ahn! Ahn! Ahn!
Nem dinheiro pro sabão!
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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