Padre Beto 10 de julho de 2011

www.padrebeto.com.br

Um garoto observava um pequeno pássaro em um sabugueiro. Depois de “brincar” por algum tempo com as folhas e as sementes da árvore, o pequeno pássaro voou para um grande e imponente muro e tranqüilamente começou a limpar o bico deixando, no muro, uma semente de sabugueiro. Anos se passaram e o garoto tornou-se adulto. Um dia, retornando ao bairro de sua infância, o homem notou a presença de um sabugueiro que havia se desenvolvido junto ao velho e não mais imponente muro. Neste, o sabugueiro havia provocado uma enorme rachadura, através da qual as crianças podiam passar de um quintal para o outro. Com um pedaço de carvão, o homem escreveu no muro ao lado do sabugueiro a seguinte frase: “O grande feito de um pequeno pássaro!”

Todas as coisas possuem seu “ser” na existência, porém, quem confere a elas um determinado valor e significado é a razão humana. Em outras palavras, o homem conhece todas as coisas e estabelece o lugar destas em seu universo. Assim, construímos o mundo sob a nossa perspectiva humana. Por isso, Jean-Paul Sartre procura fazer em sua filosofia uma distinção entre o “ser em si” e o “ser para si”. O “ser em si” é o que as coisas são, no momento, independentemente do valor e significado que depositamos nelas. Uma pedra, uma árvore ou um pedaço de madeira são objetos que estão perdidos no tempo e no espaço. Mas, diante do ser humano são ordenados e valorados de acordo com sua mentalidade. A partir desta intervenção humana, a árvore, a pedra e a madeira tornam-se partes de um jardim. A construção deste jardim é possível graças ao que Sartre chama de “ser para si”, ou seja, a capacidade de ver o que ainda não existe, o que o ser poderia ou deveria estar sendo. Nesta capacidade de ver o que não existe encontra-se o sentido da própria existência humana. Nossa existência constrói o universo modelando-o conforme o compreendemos. Portanto, para Sartre, a existência vem antes da essência. Em outras palavras, o ser humano existe, encontra-se consigo mesmo na dialética da vida, na dinâmica com seu universo, analisa o seu viver e depois define a si próprio. Ao encontrar uma definição do que ele é compreende o que falta, o que ainda não existe. Para a nossa consciência humana, o ser das coisas é também aquilo que ainda não são e aquilo que ainda não é já pertence à constituição das coisas que estão sendo. Por isso temos a visão de que o universo humano é incompleto. O nosso universo não é perfeito, pois possuímos sempre uma visão mais perfeita do que as coisas são no momento. Esta percepção do que não existe demonstra que nós, seres humanos, somos essencialmente orientados para o futuro. O ser humano, na verdade, se constitui sempre em um projeto, um projeto de si próprio. Nós somos sempre aquilo que ainda não somos. Em outras palavras, nós não nos deixamos reduzir pelos fatos. O ser humano não é apenas o que está sendo, mas também aquilo que deseja ser. “É indispensável conhecermo-nos a nós próprios; mesmo se isso não bastasse para encontrarmos a verdade, seria útil, ao menos para regularmos a vida, e nada há de mais justo” (Blaise Pascal).

Deste desejo quase que impertinente de ser mais e da tentativa constante de realização daquilo que não existe surge o que chamamos de liberdade humana. Os animais são movidos pela realidade na qual se desenvolvem. Eles são incapazes de serem críticos de seu universo e transformá-lo conforme desejam. Ao contrário dos outros animais, o ser humano está condenado à liberdade, pois possui em si o desejo de realizar aquilo que ainda não existe, mas que já está em sua imaginação. “O sonho é a tentativa de satisfazer um desejo” (Sigmund Freud). Com esta capacidade racional de analisar sua realidade, o ser humano acaba sendo totalmente responsável por si mesmo. Ele carrega uma total responsabilidade sobre aquilo que é, pois em suas mãos está a possibilidade de, pelo menos tentar, se tornar o que na verdade deseja ser. Muitas vezes encontramos imensas barreiras que nos impedem de realizar o que gostaríamos de viver, mas basta a busca da tentativa para que o ser humano venha a ter a satisfação de não estar preso às circunstâncias. “A força de vontade dos fracos chama-se teimosia” (Marie Von Ebner-Eschenbach).

Na dinâmica de autoprojetar-se, o ser humano pode diminuir sua responsabilidade sobre o que ele é criando para si ilusões ou justificativas para a situação atual. A fuga de nossos desejos e sonhos, na verdade, significa a conformação ou acomodação com a ordem vigente. Esta acomodação, porém, nega a nossa própria condição de pessoa: pensar a realidade e construí-la de uma forma que possibilite o melhor desenvolvimento da vida. Se analisarmos nossa condição antropológica de pessoa humana, ou seja, ser que pensa e transforma, chegaremos à constatação de que viver saudavelmente como ser humano significa mergulhar no movimento construtivo de nossa insatisfação diante das situações e ativamente direcionarmos nossa transcendência. “Eu nunca cometo pequenos erros enquanto eu posso causar terremotos” (Raul Seixas).

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]