Djanira Silva 10 de julho de 2011

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    Abri a porta. e vi, assustada, que a liberdade construíra um caminho à minha frente. Livre, pensei. Livre, de quê? A alegria de ser livre é uma alegria estranha, contundente, confusa. Tive medo de não transpor as distâncias. Distâncias indefinidas, momentos que não possuem tamanho nem dimensão alguma. Por falar nelas ou delas, nada sei da que me separa das almas que já tive, dos tempos que vivi, dos momentos que perdi nas encruzilhadas e do mal que me fiz ficando no mesmo lugar à espera de que as tristezas passassem. Elas não passaram, me encontraram no caminho.
    Preciso me obrigar a me esquecer de me lembrar. Paradoxo? E ser gente?
    Acho que a brincadeira de viver está chegando ao fim. Como todas as brincadeiras, um dia termina.
    Não tenho medo do que sai dos olhos. Temo o que neles entra, somando, multiplicando ou dividindo sentimentos. Temo o veneno das idéias, dos pensamentos, que chegam, sentem-se donos de tudo, governam e desgovernavam, enterram-se dentro da alma e, um dia, ressuscitam com nomes diferentes, tão diferentes que chegamos a pensar que inventamos ou descobrimos algo especial. Talvez, por isto, na velhice, Deus nos abençoe com o esquecimento, esta mão que se estende para nos salvar do naufrágio nas lembranças.
    Viver, a brincadeira de viver, finda com a realidade de morrer, morrer para nascer e voltar a viver sem saber de nada do que passou. Assim nos diz o Eclesiástes – não há memória do que foi nem do que há de vir.          Ninguém volta para dizer como é do outro lado. Assassinados não retornam para denunciar criminosos. Só na imaginação de Shakespeare – rei morto entrega o irmão assassino. Voltar,mesmo, ninguém volta.    Morrer é igual a se aposentar, enterra-se o tempo e jamais retornamos ao locar onde vivemos metade das nossas vidas. A morte é a aposentadoria da vida. Sonhos são enganos da imaginação, híbridos no mimetismo das formas e das cores, como as plásticas que mudam apenas a forma do corpo, jamais o conteúdo.

    Não quero que voltes. Hoje o espaço é outro. Não pude destruir nada do que deixaste. O silêncio me engana e eu agradeço. Tudo se transformou. As ausências são assim, arrumam e desarrumam a solidão. Um barulhinho insistente de grilos se instalou na minha cabeça e à noite me faz dormir. Quando para, sinto falta.
Tudo isto me pertence é um patrimônio, uma doação que a ´princípio me confundiu mas que agora faz parte de um mundo novo cheio de sustos e de alegrias, de novas possibilidades.
Descubro a minha dualidade, um lado que chora, outro que se conforma. Um que lamenta, outro que agradece, um que aceita outro que se revolta. Saio fechando portas e deixo que se abram apenas aquelas que não me deixem arrependida. Se olho para trás vejo rosas que deixei sem colher, sementes sem plantar. Ai, então, abro novas portas e entendo que o arrependimento só constrói muralhas.
Hoje, pela manhã, encontrei a porta aberta. A porta que me ameaçou a vida inteira com a liberdade.
Afinal, como saber se sou livre se ainda estou aqui?

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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