Não foi a notícia que chegou com atraso, nem a distância que, entre nós, o tempo cavou. Foi o contato perdido. O certo é que, quando soube que Jorge Moreira enfrentava um grave problema de saúde, a morte já tinha lhe vindo buscar. E aí a solução se limitava a avisar a amigos comuns o infausto ocorrido, a par das boas lembranças que reapareceram.
        Nesse caminhar, ressurge das cinzas o seu estúdio fotográfico, no começo da Rua São Paulo, onde fazíamos ponto, em época de férias. Jorge, fotógrafo ainda do preto e branco, cigarro na boca, a voz estrondeante, a viver o presente, sem pressa, despojado de qualquer ganância, sem encontrar raízes no passado, sem olhar o futuro, a manusear a máquina Yashica, ele mesmo revelando foto por foto, num trabalho paciente e artesanal.
        Mas, Jorge não se prendia a lugar nenhum. Oriundo, talvez, de Pernambuco, infância vivida em Frei Paulo, depois em Itabaiana, onde, com a vida que pediu a Deus, dentro dos vôos de suas necessidades, se muda para Aracaju, e, de Aracaju, para Manaus, de onde retorna, até se transferir para Petrolina, onde, talvez, sem poder mais sair, tenha preferido se mudar para a eternidade, a fim de que seu espírito pudesse continuar na sua tradicional sina de itinerante e de brasileiro nordestino.
        No intervalo de mais ou menos trinta anos, o vi uma só vez, quando, numa visita aos parentes, esteve em minha casa, e, de lá, fomos ver o compadre Luiz Carlos [Andrade], que fazia dupla comigo nas visitas ao seu atelier, naqueles tempos das décadas de sessenta e setenta do século passado. Depois, foi um contato telefônico e não ouvi mais sua voz, nem o vi, Jorge, talvez preso a leitura bíblica a recomendar que não se olha para trás para não virar estátua de sal, se transformou apenas num ponto de referência.
        A lição bíblica foi obedecida. Literalmente. Nem olhou para trás, ele que já evitava estender suas raízes sobre qualquer urbe, nem virou estátua de sal, e, talvez, assim, tivesse vivido melhor a família que plantou em Petrolina, sem imaginar que seu nome continuava vivo entre nós, na constante invocação das muitas vezes em que lhe chateávamos no seu atelier, e, aproveitando a coluna social de O SERRANO (confesso hoje), fazíamos brincadeiras com ele, no que, aliás, consagrávamos sua condição de fotógrafo, via de notinhas, nas quais destacávamos suas calças topekas, inventando que Jorge colecionava livros de comida, entre outras tiradas, só para, uma vez publicadas, rirmos com a sua reação.
        Ah, meu caro Jorge, apesar das quase três décadas de distância, a notícia de seu óbito doeu um bocado, e não foi mais forte, porque, se você pudesse opinar, com a cara de entendido de tudo, diria que era besteira um homem chorar pela morte de outro homem. Evidentemente, que a gente, tendo sido feito de outro barro, não ia concordar, no que seria aberto espaço para uma nova discussão, onde quem falasse mais alto ganhava. E quem, Jorge, falava mais alto que você?
Publicado no Correio de Sergipe
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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