Um dos fatos mais importantes que estão ocorrendo no mundo, desde janeiro deste ano, é a mobilização de milhares de jovens que têm acampado pacificamente nas praças de diversas cidades do mundo. Eles fazem isso para se manifestar contra os rumos da política atual e dizer que precisamos de uma nova forma de organizar o mundo. Desde maio, armaram acampamentos na Puerta del Sol em Madri, na praça Syntagma em Atenas, na Plaza Central em Barcelona e em outras cidades européias. Em geral, são jovens com boa escolaridade e que sabem lidar com as novas tecnologias. Foi através da internet que criaram redes de relações sociais e decidiram se manifestar. Pode-se dizer a mesma coisa da juventude africana que ocupou as praças e iniciaram as manifestações que derrubaram ditaduras na Tunísia e no Egito, assim como jovens derrubaram a ditadura no Bharein e ameaçam governos no Marrocos, na Líbia e na Síria.
          A maioria destes/as manifestantes é também vítima do trabalho cada vez mais degradado, característico do capitalismo atual. Se em nossas cidades, já conhecíamos moradores sem-teto, lavradores sem-terra e trabalhadores sem-emprego, agora no mundo inteiro, despontam pessoas que se sentem sem-futuro. Não são militantes de partidos políticos ou de sindicatos. São jovens de todas as raças e cores que compõem a sociedade civil. Eles dizem: “Representamos somente a nós mesmos e a ninguém mais. Não delegamos ninguém para falar em nosso nome”. Não rejeitam a política, mas não crêem nas estruturas políticas vigentes. “Nossos sonhos não cabem nas urnas que o sistema atual nos oferece”, declaram manifestantes na Tunísia. Em vários países da América Latina, há mais de dez anos, apesar de viciadas e submetidas ao poder econômico, as urnas contribuíram para levar ao poder governantes comprometidos com os povos indígenas, as comunidades de periferia e os movimentos populares. Estes bons exemplos de países como a Venezuela, Equador e Bolívia serviram para convencer a juventude de outros continentes a exigir uma maior democratização da democracia, com novos mecanismos de participação popular, justiça social e paz.
          Na África, na Europa e mesmo em Santiago do Chile, manifestantes da juventude se mobilizam por seus direitos civis e pela radicalização da democracia direta e participativa. Ao se manifestar nas praças, revelam que os partidos políticos tradicionais estão envelhecidos e não têm mais credibilidade. Sabem que os governos de quase todos os países estão literalmente reféns do setor financeiro internacional e dos grandes conglomerados multinacionais. Um elemento comum a todas estas manifestações novas que congrega muitos setores da juventude e se espalham pelo mundo inteiro é a exigência de uma maior e mais profunda liberdade. Jovens desarmados enfrentam soldados violentos. Apesar dos riscos até de morte (e muitos têm dado a vida nestes conflitos), como dizia Jean-Paul Sartre: “Quando a liberdade eclode no espírito de uma pessoa, mesmo a força de dez não podem nada contra aquela única pessoa livre”.
          Um fato a ser ressaltado é que em todas estas manifestações é que elas são laicais. Nelas, não tem entrado o fator religioso. Isso é bom porque dá a estas manifestações um caráter mais aberto à participação de todos, crentes e não crentes. No norte da África, houve quem temesse que a derrubada das ditaduras levasse ao poder grupos islâmicos. Não é o que está acontecendo. A juventude que se manifesta não está condicionada por alguma identidade religiosa. Também em países como a Espanha, a Grécia e a Itália, muitos jovens vêm de comunidades cristãs, mas atuam como cidadãos e sem nenhum vínculo direto com suas Igrejas. Aliás, estas, se se manifestassem, provavelmente, se manifestariam favoráveis ao poder vigente e para manter o status-quo e não a favor de uma juventude que liga liberdade social e política com todo tipo de liberdade como a liberação moral e sexual. Por outro lado, as Igrejas cristãs têm como função anunciar o reino de Deus, projeto radical de um mundo novo. Mesmo se toda realização deste projeto divino é sempre parcial e incompleta, não se pode negar que existe uma profunda relação entre as manifestações da juventude nas praças e este projeto divino de transformar o mundo. Onde as pessoas buscam construir um mundo de paz e de justiça, o Espírito Divino está atuando. Ele inspira novos filhos e filhas de sua profecia renovadora. Será que o fato da maioria destas pessoas movidas pelo Espírito não ter nenhuma vinculação com as Igrejas e religiões não se constitui como uma interpelação profética a pastores e fiéis das Igrejas e comunidades religiosas? Cinco séculos antes de Cristo, quando o povo de Israel se tornou cativo dos caldeus, o profeta Ezequiel foi condenado por anunciar que havia visto a presença divina (a glória de Deus) deixar o edifício do templo em Jerusalém e ir acampar com os exilados à margem do rio Cedar. Hoje, ele chamaria nossa atenção: Deus pode ser encontrado em rostos estranhos e em ambientes não religiosos. Ele está anônimo e desconhecido nas praças do mundo, onde setores da juventude, mesmo irreverentes e provocativos, profetizam um novo mundo possível.
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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