Minhas duas últimas idas ao cinema me trouxeram de volta ao tema “Mulheres que me Falam”, o título com que andei contando sobre personagens femininas, cujas histórias me tocaram e, de alguma forma, me ajudaram a me aprimorar, conhecendo-me melhor…
Meus grupos de Leitura e Reflexão e meu trabalho no consultório, além de meus encontros com amigas e parentes, me permitem ouvir, das vozes de mulheres (jovens ou maduras), anseios, queixas, prazeres, revoltas, lamentos, desafios. Diariamente tenho a oportunidade de ir inter-relacionando os relatos das vidas delas e juntar a essa trama a minha própria história, desde a de minhas avós, até a de minhas filhas. Gosto disso. Mesmo quando me faz sofrer, a partilha desses sentimentos me enriquece e fortalece.
Mas, reconhecendo a importância desse tema, vou e volto, aqui, às questões do feminino, até porque não quero ter um único tom, no que escrevo. Assim, dois filmes me apresentam novos aspectos, ainda não abordados, que penso valer a pena comentar: “Irina Palm” e “Chega de Saudade”.
“Irina Palm” traz um enredo surpreendente, para tratar de um velho tema: a hipocrisia. Mostra um curto período na vida de uma mulher de cinqüenta e poucos anos, que se vê numa necessidade extrema e urgentíssima de ganhar dinheiro e aceita a única oportunidade que lhe aparece para isso. Mas o emprego que consegue, mesmo nada comum e aparentemente ultrajante, não lhe diminui em nada a dignidade. Pelo contrário, a reafirma. Vemos a protagonista ir “crescendo” com as dificuldades que atravessa, de tal forma que passa a poder ver com clareza o mundo “pequeno” das pessoas que a cercam. Com a crise que vive, Irina é forçada a se pôr fora dos padrões dentro dos quais vivera até então. O grande sofrimento por que passa só reforça sua crença em si mesma e no seu poder de transformação.
É um filme quase sem excessos, mas em que se pode aproveitar cada cena. A imagem do cuidadoso “fazer com as mãos”, por exemplo, me chegou poética e denunciadora do mundo de afastamentos afetivos em que vivemos, mesmo quando aparentemente parecemos próximos uns dos outros.
Irina é autêntica em tudo que faz e sente. Não se humilha e nem humilha ninguém. Mas sabe se impor na medida e na hora certas. E é assim que conquista para si um novo lugar na vida, a partir de suas próprias escolhas, preservando os afetos verdadeiros e conquistando outros.
“Chega de Saudade”, ao contrário, expõe mulheres de meia-idade no salão de um clube de dança, disputando desesperadamente os cavalheiros, sujeitando-se a todas as humilhações e enganações dos homens, para se sentirem prestigiadas, recitando frases feitas e velhos desaforos entre si, sem nenhum respeito ou auto-estima. Homens e mulheres são, ali, personagens patéticos que me despertaram um misto de piedade e irritação.
A única jovem do filme é de tal modo alienada e egoísta que não consegue enxergar nada do que está de fato acontecendo a sua volta e nem ao menos se sensibiliza com o sentimento dos que a cercam, nem com o sofrimento que provoca com seu comportamento.
O filme começa exibindo solidões acompanhadas e termina com nesse mesmo tom. Durante todo o tempo, nada acontece ali de transformador. Só se justificaria uma fita deste tipo se fosse possível vê-la como uma denúncia, que também não é.
A tentativa de criar um clima saudosista é totalmente frustrada pela vulgaridade com que o pretenso romantismo é tratado. O que aparece na tela são mulheres sem nenhuma dignidade, tolas e histéricas, tratadas pelos parceiros como brinquedo velho, que se pega e larga, por capricho e com descaso.
Que desperdício usar a música que Tom Jobim fez, tão jovem e cheio de crença na vida, quando apaixonado pela namorada que veio a ser sua primeira mulher, para fundo musical e título de uma obra tão deprimente!
Enfim, enquanto Irina entra e sai dos salões do prostíbulo onde trabalha, cada dia com a cabeça mais erguida, as damas de “Chega de Saudade” saem do baile aceitando até paçoca como compensação pela dignidade que perderam no salão!
(02/05/2008)
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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