Não gosto de missa de sétimo dia. Se puder, dou desculpa, invento uma justificativa e não vou. Na missa de sétimo dia pela alma do meu pai, achei frieza no anúncio feito pelo celebrante. Uma leitura mecânica. Pensei pra mim mesmo que se papai não tivesse espalhado suas virtudes, em vida, estaria liquidado com aquela indiferença. Mas não foi por esse motivo que a missa em causa deixou de me entusiasmar. Acho que tudo resulta de uma equação simples: a missa é pela alma do defunto, mas o defunto não está mais presente. É como se faltasse alguma coisa, como se devesse, em toda missa, ser colocado um caixão no meio da igreja, ainda que vazio, para simbolizar a morte, que, afinal, motiva a realização da missa. Tétrico, não?
          Ademais, no que se refere a missa pela alma do morto, observo que, depois de algum tempo, em geral, os mortos são esquecidos e realmente morrem da morte morrida e da morte do esquecimento pleno. É que ninguém mais manda celebrar missa em sufrágio de sua alma. Seja porque não é mais necessário – se o morto foi gente boa, deve estar salvo; se não, não adianta mais missa. Tanto assim que nunca vi se celebrar missa por morto velho. O marechal Deodoro da Fonseca, apesar de ter carregado a República com sua autoridade de líder militar, mesmo no dia 15 de novembro, não se registra uma só missa celebrada em prol de sua alma. O mesmo se diga de Pedro I, a transformar esse imenso território num país. Ninguém mais se lembra de sua alma e da necessidade de se celebrar, ainda, em sufrágio dela – se repito o termo sufrágio é porque assim é que se fala – uma missa sequer, apenas uma.
          O fato invocado não é suficiente para que eu não goste de missa de sétimo dia. É porque não gosto mesmo. No aspecto, espero que ninguém me saia atirando pedra, tivesse de fazer opção entre a missa e o enterro, ficaria com o segundo, porque há um defunto, acomodado e quieto em a urna funerária, bem coberto de flores, provocando lágrimas nos mais chegados. No enterro há vida – parece um contraste -, mas nos que choram, nos que gritam, nos que desmaiam, nos que provocam lágrimas em os presentes.
          Uma tia, já falecida, me dizia que só gostava de enterro em Itabaiana, nossa terra, porque muitos dos donos do defunto davam espetáculo de choro e de desespero. Em Aracaju, o povo é calmo, civilizado, ninguém chora, e, ela, coitada, se sentia como peixe fora da água, sem poder se contagiar também da tristeza dos donos da mercadoria, digo, do defunto. Eu balançava a cabeça de forma positiva, dando-lhe razão e invocava os parentes que, em meio ao sepultamente, saiam carregados nos braços dos presentes, duros como um cabo de vassoura, atingidos pela emoção do ato final. Cheguei a ver muita cena assim.
          De qualquer forma, de uma coisa tenho certeza: morto, hão de celebrar, pelo sufrágio de minha alma, com sete dias, uma missa. Bom, como não terei o compromisso de comparecer, por mim, acrescento e finalizo, tudo bem.
Publicado no Diário de Pernambuco
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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