Para o início de conversa, digo, de namoro, naqueles tempos do ontem longínquo, não havia lugar mais adequado que a praça, porque nela as meninas caminhavam ao seu redor, enquanto os meninos ficavam nos bancos, sentados, à espera da bem-amada, na passagem, ofertar um sinal de aprovação, refletido na troca de olhares, tão comum, à época. Num degrau maior, o rapaz caminhava, também, ao lado da namorada, no início, porque, depois, quando tudo já estava firme, o melhor lugar era permanecer os dois, sozinhos, num banco, na praça, onde ele, se coragem tivesse, se arriscava a pegar na mão da namorada. Assim, o início, em suas três etapas, tudo num só palco: a praça.
          Mas, vinham as piadas. O rapaz perguntava a moça se podia acompanhá-la. O acompanhar significava se podia sair os dois conversando. Ela respondia: eu não sou procissão. Outras vezes, no meio da molecada, a conversa rolava: fulano namorava fulana, até que ela soube e terminou. Em outras, o rapaz observava, ante o tamanho da bunda da moça: que cachorrão! E ela o tranqüilizava: fique calmo que ele não morde veado. E todos, no banco da praça, ríamos, porque a praça era também lugar para nossas reuniões, aos domingos, à tarde, como se fosse algo sagrado, onde as meninas iam mostrar seu encanto e os meninos, de longe, porque quase todo mundo era tímido, a apreciá-las.
          O que seria dos meus tempos de menino se Itabaiana não tivesse uma praça para a gente freqüentar?!
          Outra etapa do namoro – porque é do namoro que quero falar – se localizava na igreja. Esclareço que sou do tempo em que os homens ficavam em pé, nas portas, nas colunas e a missa era em latim. Sentar, na igreja, é algo que só as mulheres podiam fazer. Os olhos, de meninas e meninos, vadiavam, de um lugar para outro, falando a linguagem de um namoro mudo, a evoluir, depois, em outro local, para o namoro falado. Era só o rapaz se localizar em coluna onde a menina pudesse vê-lo, e, dali, silenciosamente, enquanto o sacerdote celebrava a missa, o olhar dos dois falava mais alto a oração do amor que Deus ensinou ao homem e a mulher.
          Por fim, o cinema, numa evolução maior, com dois tipos de conduta. Ou o namoro já permitia que os dois jovens namorados sentassem juntos, à vista de todos, ou, a cadeira, ao lado dela era reservada, e, no momento exato em que a luz se apagava para o filme começar, ele, furtivamente, ia pedindo licença e se sentando ao lado da amada, tendo o cuidado de levantar-se antes do filme terminar. A película não se assistia direito, mas o namoro pegava, e, quem, nesse estado de êxtase, ia se preocupar com as imagens que a tela mostrava?
          O cinema tinha uma vantagem que a escuridão favorecia e a atenção de todos nas cenas passadas desviava. Explico: o namorado se enchia de coragem para pegar na mão da namorada. Era uma proeza comentada por todos, a maioria se mordendo de inveja, principalmente os tímidos, que, afinal, são os que levavam menos vantagem, por se sentirem inibidos de dar um passo desse a frente.
          Do pegar nas mãos, a evolução seguinte seria o beijo, mas do beijo já não me lembro, porque são muitos os janeiros passados, de maneira que me apertei, outro dia, quando Vladimir me perguntou como foi meu primeiro beijo, e eu procurei chão na terra e não encontrei resposta, ou não quis dar, porque a história dos outros é muito boa de contar, mas no momento de relatar a minha, o espírito de meu avô paterno ingressa na minha mente, fazendo-me repetir a mesma reação quando alguém lhe perguntava algo e ele fechava a cara, porque não gostava de responder, criado que foi só para indagar. Ah., o sangue e a força da herança. Eu, também, como Vovô Zeca.
          A praça, a igreja, o cinema, palcos do namoro dos meus tempos de menino. A praça, ampla, grande, imensa, parecendo que nosso mundo começava e ali terminava, e, outro dia, ao percorrê-la, me pareceu pequena, como se tivesse encolhido, me levando a perguntar quem se atreveu a encurtá-la.
          Dos três lugares, é a praça o que me fixa as maiores lembranças, e, é na praça que, quando posso, a pretexto de fotografar a igreja, olho para seus jardins, passeio e bancos, na busca impossível de ver se ainda encontro por lá alguma menina bonita, uma só, para remédio, em meio daquelas que, naqueles tempos do outrora distante, tanto me inspiraram a escrever poemas de amor.
Publicado no Correio de Sergipe
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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