Padre Beto 2 de maio de 2011

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Certa vez, um monge que viva sozinho em uma montanha recebeu inesperadamente a visita de um grupo de pessoas. Os visitantes se aproximaram do monge justamente quando ele estava retirando água de uma cisterna. Depois de se apresentarem, os visitantes resolveram ir diretamente ao assunto e perguntaram: “Por que o senhor vive aqui isolado e no silêncio? Qual o sentido de viver assim?” O monge, então, ao encher seu balde de água pediu imediatamente às pessoas que olhassem para a cisterna e perguntou: “O que vocês estão vendo?” Os visitantes responderam: “Nada, não conseguimos ver absolutamente nada.” Depois de alguns minutos, o monge pediu aos visitantes que olhassem novamente para a cisterna fazendo a mesma pergunta: “E agora, o que vocês podem ver?” As pessoas olharam e responderam: “Ah sim, agora nós podemos nos ver!” O monge, com um sorriso, explicou: “Vejam bem, quando retirei o balde da cisterna, a água tornou-se agitada e vocês não conseguiram ver algo definido. Aos poucos a água foi ficando tranqüila e silenciosa e vocês puderam ver o reflexo como se fosse um espelho. Esta é a experiência de viver isolado e em silêncio: desenvolver a capacidade de ver a si próprio!”

Para mestre Eckhart, um dos maiores místicos alemães, Deus constitui-se no pleno conhecimento (intellegere). “No princípio era o verbo”, podemos ler no início do Evangelho de João, o que significa: no princípio está a sabedoria. O conhecimento total, a racionalidade perfeita deu origem à vida e a todo o universo. O ser transcendente que chamamos de Deus é uma racionalidade plena e por este motivo criativa. Tomar consciência desta verdade religiosa é compreender que o conhecimento gera vida. Desta forma, Eckhart acentua a necessidade da atividade do conhecer que nos liberta da alienação e re-constrói o nosso universo. Na verdade, todo religioso deveria ser um pensador, um estudioso, um conhecedor das ciências e da vida. O conhecimento nos leva a completar este mundo e nos coloca em sintonia com Deus. Esta abrange toda espécie de saber desde o ensino sistemático oferecido pela escola e universidade até as experiências espontâneas de vida. Afinal, conhecer o nosso universo biológico, geográfico, social e político é o primeiro passo para a desalienação e construção de uma sociedade de paz e harmonia. O conhecimento é essencialmente um ato religioso, pois nos leva não somente a um domínio da realidade, mas principalmente a um auto-conhecimento. Para mestre Eckhart, no centro de nossa alma está o que ele chama de “scintilla animae” (a faísca de vida), o canal de encontro direto com Deus. O ser humano possui a capacidade de jogar-se totalmente em seu interior e neste encontrar uma fonte eterna de sabedoria. Através do auto-conhecimento descobrimos nossas infinitas potencialidades, mas também nossas imperfeições, nos reconhecemos como seres de “carne e osso”, mas também como filhos de Deus. Do auto conhecimento surge a verdadeira bondade, pois nos reconhecemos como irmãos. Na “faísca de vida”, no lado profundo de nosso ser, está o nascimento de Deus na pessoa humana. O que Deus deu a seu filho, afirma Eckhart, Ele dará a qualquer pessoa humana, a partir do momento que ela se torne justa e boa. Nos bons a bondade aflora, ou seja, o verbo (a sabedoria) se faz carne.

No sentido do conhecimento pleno da realidade se encontra a advertência de Jesus Cristo: “Arrependei-vos, porque está próximo o Reino dos Céus” (Mt. 4, 17). Este arrependimento não significa contrição ou insatisfação causada pela violação de uma lei ou norma moral, não se trata de sentir remorso por aquilo que se tem feito. Arrepender-se se constitui aqui em um retorno profundo a você mesmo. A proximidade do Reino, por sua vez, não é temporal, como se o Cristo quisesse dizer que o fim do mundo vai acontecer daqui há alguns anos. Se fosse assim, o Cristo já teria errado há mundo tempo. A proximidade do Reino é geográfica, ou seja, ele está muito mais perto do que você pensa, basta voltar-se para si mesmo. Arrependei-vos possui o mesmo sentido dos ensinamentos dos mestres Zen: “Busque sua face original”. Todo o esforço de Jesus nos Evangelhos é trazer o ser humano de volta para a sua verdadeira casa. Esta “casa” é uma qualidade, uma maneira de ser. Através do Cristo, Deus está gritando: “deixe-me aflorar através de você!” Ninguém é nada mais do que si mesmo e sua essência é divina. No processo de conhecimento amplo e principalmente do auto-conhecimento acordamos para a nossa realidade e com isso nos permitimos a ser. Por isso relaxe, conheça, leia, estude… e seja! Comece a ser feliz agora mesmo. Tudo é possível. Só é necessário que haja uma profunda mudança de atitude: ver a felicidade como um bem e a tristeza como um pecado.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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