Divido o domingo em duas partes absolutamente desiguais. A primeira vai do amanhecer até às 17 horas. A segunda, a partir daí. É justamente dessa segunda que não gosto. Não gostar é pouco. Em verdade, me causa tristeza. É como se, de repente, fosse carimbado na cara com uma depressão que não encontro explicação. Fico imaginando se liga aos finais de domingo, quando tinha de preparar a mala para voltar, de Itabaiana à Aracaju, na noite ou na segunda, pela madrugada, nos tempos de estudante. Não sei, mas desconfio.
De real e concreto é que não gosto do final do domingo. A música do Fantástico também ajudou a contribuir para o meu estado espiritual, de silêncio, absoluto silêncio, quando a noite do domingo vai chegando, a avenida ficando vazia, e a perspectiva da segunda-feira se abrindo. Talvez o domingo represente a véspera das viagens que fazia quando era juiz federal para Maceió, e, agora, o deslocamento até Recife. Talvez. A resposta está bem escondida em algum lugar de minha cabeça, em comportamento do qual devo ter perdido a chave.
Depois, a noite do domingo parece que foi marcada para se ficar em casa. Nem aniversário no domingo à noite tem graça. É a sina do domingo, dia em que ninguém mais casa. Antigamente, em Itabaiana, casamento que se prezasse era no domingo. Agora, não. O domingo foi relegado ao plano tão inferior que só eleição se marca para o domingo, porque a tristeza do final de tarde se casa bem, muitas vezes, com o resultado apurado. Brincadeira minha, claro.
Fico pensando numa solução para dar ao domingo, do final da tarde em diante, outra conotação. Posso formar uma comissão para receber sugestões e apontar, depois, em relatório, as melhores e, entre as melhores, uma lista de três que poderiam ser invocadas para a execução mais imediata. Sugestão para tornar o domingo alegre, afastar a depressão do final das suas tardes. Não sei se vai funcionar.
A de mais prática até agora se resume numa alteração dos dias da semana. O domingo receberia, na pia batismal, outro nome. Quem sabe se o problema não estará no nome? Ou então, diminuir o tamanho do domingo. O domingo iria até às 17 horas. A partir daí, não seria mais domingo. Mas um período intermediário entre o domingo e a segunda-feira, que poderia receber uma outra denominação. Véspera da segunda-feira, por exemplo.
Ou então, esticar o domingo para a segunda-feira e decretar feriado permanente na segunda-feira. Para tanto, em lugar de uma comissão para receber sugestões, organizo uma equipe para pegar assinaturas na rua a fim de enviar um pedido, com milhões de assinaturas, para o Congresso Nacional. Só espero que, vitorioso o projeto, não tenha, no final das tardes de segunda-feira, a mesma tristeza que hoje o final da tarde do domingo me causa. E se tiver, a gente avança na terça-feira, com outro projeto. E, assim sucessivamente, até que final de tarde de véspera de dia de trabalho deixe de me causar tristeza.
Publicado no Diário de Pernambuco
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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