A Crise Portuguesa

 

         
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O embaraço, a vergonha, a culpa, a indignação e outras são emoções sociais que florescem a níveis cimeiros na árvore homeostática de António Damásio. Por esta razão, é provável que o Presidente Cavaco Silva, os ex-candidatos à Presidência da República (Fernando Nobre e Manuel Alegre), o líder do PSD (Passos Coelho), o Primeiro-Ministro (José Sócrates) e outros se tivessem emocionado durante as últimas semanas, cada qual exibindo fácies peculiares relativamente às notícias que brotaram nos mais diversos ramos da comunicação social. Os políticos raramente são sinceros; usam artimanhas de linguagem para fugir à verdade. Não admira, por isso, que esquiem com frequência por entre as esquinas da culpa, tentando amarrar o juízo do cidadão comum ao plano da fatalidade, mas às vezes estampam-se.
Cavaco Silva, em visita à República Checa, fez afirmações, relacionadas com o défice e modo de ultrapassar a crise, que deixaram muita gente de boca aberta, nomeadamente o homólogo checo, Vaclav Klaus, e o comissário europeu dos assuntos económicos, Olli Rehn, que pediu aos responsáveis portugueses para evitarem recados públicos relacionados com a ajuda externa a Portugal. Aliás, neste novo mandato, Cavaco ainda não acertou o passo com a marcha dos acontecimentos. Parece um árbitro que não sabe arbitrar. Entrou em funções com um discurso desajustado a um acto de posse quando, no seu gabinete, podia ter partido a loiça que entendesse com o Primeiro-Ministro e, alheio aos dislates cometidos, tem vindo a servir-se do FaceBook para recados ao país, deixando, atrás de si, uma imagem difícil de aceitar.
Passos Coelho vinha a eclodir normalmente, acalentando o desejo de ser Primeiro-Ministro. Fazia afirmações ao jeito do aluno de jardim-escola, quando dá conta que domina a Cartilha de João de Deus mas, a partir de certa altura, perdeu-se, facto que se tornou evidente na entrevista dada a Judite de Sousa. Estamos certos que vai aprender até à campanha eleitoral, durante a qual terá de fundamentar as razões do chumbo do “Pacto de Estabilidade e Crescimento 4”, muito em especial depois de se saber que teve conversações sigilosas com José Sócrates, a tempo de evitar a crise política em que Portugal mergulhou. Não contente com o estorvo, enervou-se com o congresso do PS e foi convidar Fernando Nobre para integrar as listas para as legislativas, decisão que confirma um enleio de emoções que lhe custaram, para já, o afastamento de notáveis figuras do PSD.
 Passadas que estão as eleições presidenciais, Fernando Nobre e Manuel Alegre também reapareceram, evidenciando facetas diferentes. O primeiro, ao aceitar a integração nas listas do PSD, deixa transparecer que tem fome de política, coisa difícil de aceitar num homem dado a eventos humanitários. Manuel Alegre não é menos controverso. Regressou ao ninho do partido que ajudou a construir e que cindiu nas duas últimas eleições presidenciais. Participou no Congresso do PS onde, em discurso aparentemente auto-punitivo, lembrou ao BES e PCP as malfeitorias do tempo do PREC¹ para, a partir daí, reacender o velho slogan que não há esquerda sem o Partido Socialista.
Finalmente, há que dizer que Sócrates surgiu no congresso com o à-vontade com que um bom actor pisa o proscénio de um palco bem iluminado. Sem dificuldade, exteriorizou os discursos que planeou, circunspecto quanto baste sempre que a gravidade e o melindre saíam envoltos em palavras, duro e implacável quando pretendia transferir a culpa dos insucessos a terceiros, compadecido sempre que se referia às susceptibilidades da conjuntura internacional e exuberante quando mencionou alguns resultados da governação.
Todavia, a troika de especialistas oriundos do Banco Central Europeu, da Comunidade Europeia e do Fundo Monetário Internacional já entrou em Portugal e já começou a trabalhar para prescrever a terapia, enquanto o Presidente da República ainda sonha com empréstimos intercalares. É bom que os portugueses se preparem, mentalmente e fisicamente, para uns largos anos de purgatório. Não obstante o fado fazer parte da alma Lusa, estou convicto que, desta feita, a indignação vai tomar conta do povo, muito embora os políticos possam continuar imunes ao embaraço, à vergonha e à culpa.
Coimbra, 16 de Abril de 2011

 

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¹PREC – Processo Revolucionário em Curso

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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