Padre Beto 19 de abril de 2011

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Um pai muito religioso criava seu filho da maneira mais correta possível. Um dia, quando iam à igreja, deu ao garoto duas moedas de valores diferentes e disse-lhe que poderia escolher qual das duas colocaria na bandeja da coleta na missa. O garoto teria a liberdade de escolher a de maior ou menor valor. É claro que o pai esperava que o filho doasse a moeda de maior valor, afinal sabia como havia educado o garoto e podia confiar em seu filho. Terminada a missa, o pai estava curioso em saber o que tinha acontecido. “O que você fez?”, perguntou o pai ao filho. O menino admitiu que doara a moeda de menor valor e guardara a outra para si. O pai não quis acreditar e perguntou ao filho porque havia feito tal escolha. O garoto, com grande naturalidade, respondeu ao pai: “Na missa, o padre disse que Deus amava aos que se alegravam em dar. Eu só podia me alegrar se desse a moeda de menor valor!”

Se acreditamos que Deus deu origem a todo nosso universo, basta pensarmos um pouco sobre a vida para nos depararmos com uma realidade difícil de ser explicada: a existência do mal. Se Deus deu origem a todo ser existente, teria Ele também criado o mal? Se foi o homem que gerou o mal, não teria Deus então criado o homem com a capacidade para o mal? Portanto, não seria o mal também uma criação indireta de Deus? Afinal de contas, qual é a origem do mal? Para o filósofo cristão Tomás de Aquino, o problema não está nem em Deus e muito menos no homem, mas na própria compreensão do mal. Deus deu origem a todo ser com a possibilidade de atingir a sua plenitude, afirma o filósofo. Toda espécie de ser existente vem de Deus, porém o mal é um “não ser”. Tomás de Aquino define o mal como uma falta (privatio), como uma ausência, um sintoma do ser ainda não completo. Desta forma, à medida que nós seres humanos entramos em um processo de crescimento, de aperfeiçoamento, o vazio, a falta, a lacuna vai sendo completada através de um aprendizado oferecido pela vida e o mal é preenchido pelo bem. Se o mal é o estado do ser incompleto, o bem se constitui no complemento do ser. O bem é o caminho de crescimento do ser em direção à sua plenitude. Como Aristóteles, Thomas de Aquino define o bem como aquilo que todo ser almeja. A este objetivo último, à plenitude do ser através do bem, damos o nome de bem-aventurança, ou seja, felicidade (beatitudo). Por isso, todo ser humano é regido por uma lei natural que nos movimenta na vida e para a vida: fazer o bem e evitar o mal.

A felicidade é, portanto, a situação de ausência da ausência, ou seja, de eliminação do mal. Ela é a sensação de estarmos completos, a realização da obra de Deus. O único mandamento de Deus para o homem é a felicidade. Em outras palavras, ser feliz é a verdadeira religião existente no mundo. Todo o resto é imaterial, irrelevante. Se há felicidade, estamos certos. Se há infelicidade, estamos errados. Se nos sentimos felizes quando vamos a um bar, é muito melhor do que nos sentirmos infelizes em uma igreja. Aliás, se pensarmos bem no significado da vida, acabaremos descobrindo que a felicidade é a própria casa de Deus. Eu posso viver a fraternidade em um bar, mas posso ser extremamente egoísta em uma comunidade paroquial, em uma obra social ou em uma festa beneficente. O que se faz não é o importante, mas o fundamental é a qualidade que se dá àquilo que se está fazendo. Para aprendermos a qualidade da vida é necessário que façamos experiências de vida e pensemos sobre elas. Afinal, a vida é a escola de viver. Ela é muitas vezes cruel, pois nos ensina depois que cometemos o erro. Mas, muitas vezes, precisamos fazer a experiência do erro para aprendermos a essência da vida. Muitas pessoas ficam incomodadas porque outras estão vivendo de uma “forma errada”. Ora, se os outros estão vivendo de forma errada, o próprio erro lhes trará a infelicidade.

Não existe oração mais profunda do que ser feliz. O estado de felicidade, mesmo diante das dificuldades da vida, é o sintoma de que estamos muito perto de Deus e este flui através de nós. Muitas pessoas que são incapazes de sentir prazer em qualquer coisa são muito interessadas em Deus. Estas, porém, se interessam por razões erradas. Acham que a vida é inútil, fútil, e, portanto, só lhes resta buscar a Deus. Quando estas pessoas rezam, sua oração é sinal de que alguma coisa está errada em sua vida. Sua oração é sempre sinônimo de pedido, queixa, lástima diante da vida. Se vêem como doentes que precisam ser curados e o mundo como um mar de lágrimas. O prazer de viver é sempre artimanha do demônio e sua cruz precisa ser mais pesada que as dos outros. O que não podemos esquecer é que Deus não é contra a vida, e a vida é o único espaço para encontrá-lo. O verdadeiro encontro com Deus é a própria satisfação de viver.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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