Trago perguntas dentro de mim, desde que ouvi as primeiras notícias, que preciso passar adiante, para que pensemos juntos, se existem respostas ou se, ao menos, existem hipóteses, que nos levem à proximidade de soluções:
– numa escola em horário de aulas, com pelo menos um professor por classe, por que será que o socorro externo veio a pedido de um aluno – o pequeno Alan – que, mesmo ferido e em estado de choque, conseguiu correr em direção a sua casa e encontrou o policial que, atendendo ao pedido desesperado da criança, entrou na escola, encerrando de vez a trajetória macabra do assassino?
– se o monstruoso criminoso mirava apenas em determinadas crianças, que ele selecionava, perfilava e exigia que se voltassem para a parede, que se ajoelhassem, conforme uma encenação delirante toda sua, por que nenhum professor tentou defender os alunos, ficando provavelmente imóveis e paralisados frente ao massacre? Não causa espanto que não haja nenhum adulto ferido nesse episódio?
– por que mesmo ao ouvir os sons de disparos (tão conhecidos dos cariocas residentes em qualquer bairro, das zonas norte, sul ou oeste, convenhamos) e ao topar com crianças saindo correndo das salas, aconteceu de professores tentarem barrar-lhes a passagem e só perceberem do que se tratava, ao ver sangue empoçado no caminho?
– como, num prédio com salas de aulas dispostas em 3 andares, disparos que foram ouvidos pela vizinhança da escola, não provocaram por parte dos adultos da Escola, nenhum movimento efetivo de pedido de socorro externo imediato?
– se seu intuito fosse apenas exterminar jovens (e os mais expressivos, como dizem as primeiras conclusões) e já pretendendo suicidar em seguida, por que o jovem Wellington que morava em frente a duas outras escolas públicas, em Sepetiba, não teria feito isso ali mesmo, na vizinhança próxima, e escolheria justamente fazê-lo no lugar onde estudou por alguns anos de sua juventude?
– por que ele falou em histórico escolar, quando se dirigiu a uma funcionária, antes de entrar nas salas de aula da escola? A que história poderia estar se referindo?
– por que as escolas públicas, que, da mesma forma que as particulares, impõem aos pais que acatem integralmente seus regulamentos, exigindo documentos e informações detalhadas sobre os alunos, e que representam o poder oficial de aprovar, desaprovar, repreender, suspender e até expulsar alunos, não são obrigadas a garantir sua segurança, mantendo, por exemplo, porteiros alertas, que verifiquem quem entra e quem sai dos prédios, durante todo o tempo do horário de aulas, pelo menos?
– por que parece tão absurda, aos nossos governantes, a sugestão, que foi feita por muitos, de haver detector de metais nas portas das escolas (mesmo quando se sabe de inúmeros casos de alunos e até funcionários portando armas brancas ou de fogo), se esta prática é comum no embarque rodoviário, na portaria de bancos e até em alguns prédios urbanos?
Houve um tempo, anos depois de minha experiência como fundadora e diretora de escola particular, em que fui coordenadora de um CAT do SESI. Havia toda uma escola – de educação infantil à ensino médio, funcionando em três turnos – sob minha responsabilidade. Escolhida para o cargo, após três longos meses de seleção, senti-me, ao assumi-lo, profundamente responsável e muito orgulhosa de poder colaborar com o processo de Educação, numa comunidade tão necessitada desse trabalho, como era a de Bonsucesso (Rio-RJ). Mas, durou apenas 50 dias, aquela tentativa de cumprimento de minhas funções. Logo entendi que a direção daquele CAT, com a cumplicidade acovardada e talvez conveniente da direção do SESI, estava submetida às ordens do tráfico local. Surpreendi uma ex-aluna, sobrinha de um conhecido traficante e sua reconhecidamente sua representante, frequentando diariamente o turno da noite da Escola, num comportamento flagrantemente suspeito. E ela permanecia por ali, circulando livremente, nos horários entre as aulas, de forma totalmente irregular, com a conivência de uns e o “faz de conta que não estou vendo” da maioria dos professores. Ao tentar encontrar explicações para isso, buscando impedir a continuidade dessa prática, fui avisada de que corria riscos pessoais com minha atitude. O mais estarrecedor é que o aviso veio da direção da casa e não dos traficantes, diretamente. Passei a ser hostilizada pelos meus superiores e a pressão só aumentou quando decidi promover reuniões de pais, chamando os moradores da comunidade para um trabalho conjunto de prevenção, através do desenvolvimento de valores em Educação. Essa amarga experiência me levou a pedir demissão do cargo, para não participar indiretamente daquela conspiração, após relatar o ocorrido em documento que protocolei no SESI, antes de me retirar definitivamente, e para o qual nunca obtive resposta.
Volto a essas recordações, por conta de analisar a questão da segurança dos alunos nas escolas. Poder-se-ia dizer, em defesa dos professores e funcionários burocráticos que não lhes cabe cuidar dessa área. Estariam ali apenas para ensinar. Mas o que é possível ensinar, quando não se educa, concomitantemente? Esta é minha pergunta. E Educação não implica cuidado integral?
Se vivemos num mundo extremamente violento, em um centro urbano (como tantos outros) visivelmente adoecido (porque, de há muito, os sintomas sociais apontam para sociedades psicopáticas e não mais neurótica, como nos tempos de Freud) e não percebemos, nem registramos os sinais emitidos pelo ambiente em que vivemos, estamos, também psicóticos e passíveis de, a qualquer momento, ter, também, nosso surto espetacular, na tentativa de sair de tanto sofrimento sufocado.
Por isso aquele corpo precisa continuar insepulto. E, por isso, talvez, a Vida tenha forjado mais essa tragédia.
O Prefeito Municipal fala em escola aberta à comunidade, para justificar a falta de um porteiro, à porta das instituições de ensino públicas. O Governador do Estado trata de transformar em herói aquele que simplesmente cumpriu seu dever de policial. Os diversos Secretários, Ministros e até a Presidente da República exibem suas consternações e sofrimentos, buscando resguardarem-se de envolvimentos maiores com a responsabilidade social do fato. Os professores pedem policiamento para as escolas, que sufoque as consequências da deseducação de que fazem parte, mesmo que não tenham consciência disso. Os pais estão, de há muito, totalmente desorientados, porque perderam o lugar de intocáveis – como orientadores únicos, que eram no passado – e padecem de todas as dúvidas reais que o advento da Psicologia trouxe (pra bem e pra mal), sem conseguir ainda encontrar novo perfil para suas funções. E, desamparadas, as crianças crescem com medo e vão se conformando em serem abandonadas e solitárias, reagindo ora agressivamente, ora se submetendo à agressividade dos outros. Assistentes sociais e psicólogos são chamados para trazerem unguentos que possam minorar a dor emocional e médicos dedicam-se à luta contra a morte iminente e ao tratamento do males físicos das vítimas. Policiais investigam os rastros aparentes do criminoso, para tentar fazer seu trabalho, sabendo que não poderão aprisionar, nesse caso, nenhum culpado, que possa ser apontado como réu, num inesquecível tribunal de júri. E, enquanto isso for a notícia da hora, os jornais e a televisão faturarão alto, informando, mas ao mesmo tempo explorando a miséria humana.
Mas cadê o flautista? Num mundo infestado de ratos, (como em Hamelin) só mesmo ele poderá vir a impedir que os nossos aspectos monstruosos se multipliquem e se agigantem.
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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