Doutoramento Honoris Causa

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A primeira vez que visitei o Brasil foi em 1974. A euforia da Revolução dos Cravos corria nas veias dos portugueses, enquanto o Brasil trilhava o caminho da Ditadura Militar que se instalou depois do golpe que depôs João Goulart em 1964. Corria o mandato do general Ernest Geisel, que tinha iniciado um processo de transição para a democracia, após o falhanço do chamado “Milagre Económico”, política de investimento infra-estrutural em que a ditadura apostou como linha de desenvolvimento. O PIB brasileiro chegou a atingir 12% ao ano, graças às grandes obras públicas (ex: Ponte de Niteroi, Central Nuclear de Angra dos Reis, Rodovia Transamazónica, Novo Aeroporto do Rio de Janeiro e imensas barragens) obras que visitei acompanhado de ilustres professores de engenharia de universidades de S. Paulo e do Rio. Este crescimento teve um custo altíssimo e a factura acabaria por chegar. Os empréstimos estrangeiros geraram uma gigantesca dívida pública e o Brasil entrou em colapso, facto a que não é alheia a crise do petróleo e a recessão mundial que ocorreram por essa altura.
Trinta e sete anos depois, o Brasil é uma importante potência económica mundial e, provavelmente, a maior do Hemisfério Sul, com lugar de destaque no grupo das economias emergentes, ao lado da China, Índia e outros. Ao inverso, a União Europeia começa a desintegrar-se com o colapso económico-financeiro dos seus membros periféricos, numa sequência inimaginável cujo traçado passa sequencialmente pela Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e atingirá, muito provavelmente, a Itália. Infelizmente, não é a primeira vez que nos debruçamos sobre o futuro da UE, a ponto de termos culpado os estados fundadores pela forma levianamente apressada como caminharam para o euro, sem ter definido, em primeiro, uma política fiscal europeia e ter gizado, inclusivamente, mecanismos norteados para a eventual sustentabilidade de países membros em dificuldades. Por esta razão, estes países têm de continuar a recorrer, directa ou indirectamente, ao FMI, a quem o Brasil empresta dinheiro a juros consideráveis.
A partir da queda da Ditadura Militar Brasileira, a Universidade de Coimbra começou a distinguir alguns Presidentes do Brasil, com o doutoramento “honoris causa”. Tancredo Neves, José Sarney e Lula da Silva receberam as insígnias da Faculdade de Direito e Henrique Cardoso foi distinguido pela Faculdade de Economia. Ao correr dos tempos, foram igualmente distinguidos vários intelectuais brasileiros, nomeadamente Gladstone Chaves de Melo, Gilberto Freyre, Afrânio Peixoto, Hilário Veiga de Carvalho, Florestan Fernandes e Evanildo Bechara.
Não há dúvida de que o Brasil encontrou, nas políticas de Lula da Silva, o caminho para se afirmar como potência económica emergente. Lula conseguiu fazer uma verdadeira revolução desenvolvimentista selando a dívida soberana, emprestando dinheiro a terceiros incluindo FMI, tirando dezenas de milhões de brasileiros da pobreza, erguendo uma reestruturação educacional que facilita o acesso à universidade de estudantes oriundos de classes baixas, promovendo um crescimento económico sustentado assente numa hábil estratégia de concertação social e desenvolvimento industrial, que valoriza os recursos naturais, investe forte nos biocombustíveis, nas tecnologias de informação e no vastíssimo mercado interno brasileiro. Ao deixar a presidência, Lula entrega a Dilma Rousseff um país confiante, graças a uma capacidade de administração que entrou para a História Contemporânea como exemplo salutar.
O grau de Doutor “honoris causa”, ora atribuído a Lula da Silva, é em termos de mérito (absoluto e relativo) mais que justificado e não deixará de ser um estímulo para os milhares estudantes brasileiros que cursam na Universidade de Coimbra. Infelizmente, a morte de José Alencar, que a todos entristece, cobriu de luto a visita de Lula e de Dilma a Portugal.
No entanto, persistem no Brasil problemas infra-estruturais que terão de ser tidos em atenção, muito em especial no domínio do ordenamento do território e da ocupação e uso do solo. As favelas, os guetos de marginalidade e os constantes desastres que ocorrem por motivos de condições meteorológicas adversas, levam-nos a pensar que Dilma Rousseff tem ainda importante trabalho a realizar.
Coimbra, 04 de abril de 2011
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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