Vladimir Souza Carvalho (*)
Se o momento é sério, o assunto ainda mais. Aliás, não só sério como terrível, e, mais ainda quando apresenta como palco o Calçadão da 13 de Julho. Vi, caminhante das madrugadas e/ou dos finais de tarde, em duas ocasiões diferentes, não podendo, evidentemente, controlar a emoção, e até mesmo a revolta, que despontaram no momento. Antes não tivesse sido testemunha. Mas, como fui, cabe, até por uma questão de desabafo, prestar meu depoimento para os fins que as autoridades, de todos os níveis e patentes, acharem conveniente.
Refiro-me a dois seqüestros, embora tenha a dúvida com relação à utilização do termo. Acho que o maior adequado seria roubo. Mas, roubo, implica violência, e, no caso, acho que não ocorreu violência, mas retirada sutil do filho enquanto a vigilância materna/paterna era relaxada. Pois foi. Um gavião, carregando o filhote de um pardal no meio das garras, e a esta altura, já morto, voava rápido em direção ao manguezal, onde minha vista não pode alcançar, seguido de perto pelos dois desesperados pais. Um dos pardais dava vôos rasantes tentando beliscar o gavião, enquanto o outro voava abaixo do verdugo. Foi a primeira cena.
Na segunda, semanas depois, pela manhã, a vítima foi um filhote de bem-te-vi, conduzido da mesma e cruenta maneira, com os pais no alcanço do bandido maior. Um momento de cochilo no ninho, o gavião, a espreita, vem e agarra o filhote, garantindo assim a sua refeição, certo que a ação policial não irá perturbá-lo, isento de qualquer denúncia pelo órgão acusatório, já que, no mundo dos pássaros, a presença do Judiciário não ocorre, e a lei a predominar é a do mais forte.
Se a morte de dois pássaros, insignificantes filhotes de pardal e de bem-te-vi, nada representam, não se constituindo fato que possa inspirar as autoridades na manutenção de postos policiais em defesa dos pássaros indefesos, no Calçadão da 13 de Julho, evidencia, por outro lado, uma verdade que, acho, até agora não foi proclamada: há pássaros nascendo nas suas árvores e arbustos, a simbolizar que o verde, que ali se ergue, começa a atrair a presença dessa passarada, a armar seus ninhos onde acham mais conveniente, transformando o Calçadão em seu habitat.
Já vi também um ninho de lavandeira. Aliás, não só vi o ninho, como parte de sua construção, com o casal trazendo o capim seco, no bico, na artesanal tarefa de ir erguendo o ninho. Só que era num arbusto, bem aberto, o ninho instalado em lugar baixo, sujeito a ser objeto de vandalismo, o que realmente ocorreu, o que, diga-se de passagem, não demorou muito. Mas o casal voltou ao mesmo local e novamente construiu outro ninho, cuja duração, espero que seja suficiente para os filhotes crescerem em paz.
O Calçadão da 13 de Julho está, assim, dando certo para os pássaros, e, também, para um sagüi e seu séquito de esposas, que habitam a manguezal, alvo de bananas que algumas almas piedosas levam. Há também garças e uma aves amarronzadas, dessas que molham as penas e mergulham em busca de alimentos dentro d´agua, algumas vezes em posição pensativa, calmamente, na parte calçada da pista, e, de quando em quando, furtivamente, raposa e saruê.
Se o Calçadão recebe o aval da presença do pardal, do bem-te-vi, de lavandeiras e outros pássaros, inclusive, e, ainda do sagüi e seu harém ambulante, entre outros, seria bom o Poder Público pensar em limpar as margens do rio Poxim, ali, a banhar o manguezal, na retirada de todo o lixo que a maré carrega, tarefa que, realizada, materializa sua parcela de contribuição na sedimentação de ser o Calçadão um exemplo do melhor meio ambiente. Quem sabe lá se, assim, um casal de caranguejo não resolve retornar ao manguezal?
Acho que dei o recado.
Publicado no Correio de Sergipe
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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