Da Justiça Federal de Mato Grosso brota decisão considerando inconstitucional o Exame de Ordem. Graças a todos os bons deuses, aos quais rezo copiosamente, não fui o autor do referido decisório, de maneira que, desta vez, não posso ser alvo dos xingamentos de alguns membros da OAB sergipana, o que me deixa profundamente aliviado, por não ter de passar, como da vez anterior, um final de semana sob os mais baixos bombardeios.
De outra ponta, não conheço o ilustre magistrado, autor da decisão em foco, e, acredito que o mesmo também não saiba quem eu sou. Assim, não correrei o risco de ser tocado pelo interesse paterno, figura criada pelos eminentes juristas que me acusaram, em dezembro último, de só ter decidido pela inconstitucionalidade – que, aliás, o meu decisório não concluía assim, é só lê-lo – do Exame de Ordem por causa do interesse de meu filho na sua tentativa de inscrição nos quadros da OAB.
O interesse paterno, ou paternal, me arrisco a definir, é o que o pai desfruta no momento em que decide um litígio, guiando-se pelas pretensões do filho, mesmo que este não seja parte no feito. Deve ser mais ou menos assim. Não o conhecia, com essa denominação, de maneira que aprendi algo mais graças aos bons amigos da OAB sergipana. Sabia – é dever meu, depois de mais de três décadas de magistrado, conhecer algumas normas – algo a respeito de impedimento e suspeição. De qualquer forma, contribui para a criação da figura do interesse paterno e algo mais aprendi, eu que sou tão tapado e demoro a entender as piadas que me contam.
No entanto, apesar de o decisório último, considerando o Exame de Ordem inconstitucional não ser de minha lavra, estou a me preparar, para daqui a alguns dias, a fim de receber dos amigos e desconhecidos da OAB, seja a sergipana, seja a nacional, alguns ataques, porque estará circulando, em todo o país, sobretudo no sul, o livro, modestamente de minha autoria, com o singular título de ILEGALIDADE E INCONSTITUCIONALIDADE DO EXAME DE ORDEM.
Parto, para tanto, de um argumento singelo: se, com duas páginas, jogaram tanta lama na minha toga, o que não passarei a sofrer com mais de cem páginas sobre a matéria, e, desta vez, com mais espaço, indo até o fundo do poço? Provavelmente, terei toda a minha vida investigada, e não será fácil constatar alguns fatos que, vindo a público, me deixarão com as calças na mão. Aproveito para, de logo, citar alguns, entre os que considero mais graves: 1) freqüentar, em criança, o catecismo, para ganhar entrada para o cinema; 2) subir no muro de casa para tirar goiaba do quintal do vizinho; 3) nunca ter me confessado na Páscoa nos tempos de ginásio; 4) ter fumado escondido, em sanitário, também no ginásio; 5) ter atropelado, uma vez, um preá, quando me aproximava da cidade de Petrolina, vindo de Teresina.
Confesso, com relação ao Exame de Ordem, que não tenho dúvida alguma de sua inconstitucionalidade. Acho mesmo que, do Exame, não sobra um pedaço de papel para ser transformado em confete. A inconstitucionalidade, aliás, aflora a superfície, não exigindo do intérprete grandes e profundos vôos. Não é necessário o uso de escavadeira. Com a mão, se utilizando dos próprios dedos, se encontra água a menos de dez centímetros. Não vou adiantar meus argumentos, para que o livro anunciado não perca seu mistério. O que posso afiançar é que, em toda afirmativa, cito um dispositivo de lei, seja da Constituição Federal (tão pródiga e harmônica, na matéria), seja do estatuto da OAB (uma admirável peça legislativa, talvez uma das poucas no direito positivo brasileiro a querer ser mais alta que a Constituição, suprema ousadia), seja da legislação atinente as diretrizes e bases da educação nacional (que a OAB não inclui em as entrevistas de seus ilustres dirigentes), e, mergulho, também, em algumas normas de direito administrativo, para assentar bem a diferença entre concurso e curso.
É o que adianto, por ora. O mais é aguardar a circulação do livro. E antes que tal ocorra, um favor, humildemente, peço aos da OAB que vão me atacar. Peço e reitero: não digam que meus pés são de pato. No meu caso, é uma herança do meu avô paterno, e até que não me atrapalham tanto o caminhado. Nem divulguem também que meu nariz é grande, por se cuidar de herança, também, de uma bisavó materna, cujo nariz era colossal. Com a mistura de sangue, o meu, aliás, ganhou alguma influência paterna no formato, mas não escapou do tamanho. De cabelo pintado não hão de me acusar, nem de fazer implante.
No mais, seria bom que se limitassem a me responder em nível de argumento jurídico. Aproveito: argumento jurídico é aquele que é extraído apenas da lei, e lei é o instrumento que o legislativo edita, não se incluindo na lei o provimento que a OAB produziu sobre o Exame de Ordem. Esse, meus ilustres amigos da OAB, não é lei. É a anti-lei. Ou o anti-Cristo, para fazer uso de uma expressão saída dos escombros de Canudos. E o que é Canudos? Bom, só lendo Euclides da Cunha.
(*) Membro da Academia Sergipana de Letras
Publicado no Correio de Sergipe
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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