Faz tempo. Trinta e seis anos. Eu morava em Vitória. Havia ali uma comunidade monástica ecumênica, sucursal do Mosteiro de Taizé, na França, que congrega protestantes e católicos.
O mais jovem, Henri, tinha 24 anos. Como quase todo europeu que pisa pela primeira vez em nosso país, estava fascinado com o Brasil: o calor, a luminosidade, as frutas, a religiosidade do povo e, sobretudo, o acolhimento, este dom que a nossa gente tem de ficar amiga de infância cinco minutos depois de conhecer uma pessoa.
Trouxe-o a Minas. Queria que Henri visitasse Belo Horizonte, Ouro Preto, Congonhas do Campo. Já outros europeus que eu convidara às Alterosas haviam se maravilhado com a harmonia barroca da antiga Vila Rica. E mais ainda ao saber que aquelas ladeiras guardam histórias libertárias, enquanto suas igrejas, cujas torres agulham o céu plúmbeo, exibem a arte incomparável de Aleijadinho. Não fosse o Brasil um país periférico, Antônio Francisco Lisboa seria mundialmente tão venerado quanto Michelangelo.
Em Belo Horizonte, apresentei Henri a meus amigos, entre os quais Cláudia, 34 anos, recém-divorciada após oito anos de casamento, mãe de um menino. Cláudia havia morado uns tempos em Paris e, portanto, dominava a língua francesa, o que facilitou a comunicação entre os dois.
Henri ficou tocado por ela. Chegou mesmo a se declarar a ela. A sedução, entretanto, não foi recíproca. Cláudia considerou-o um homem inteligente, bonito, e a diferença de idade pesou menos que o escrúpulo de não querer ver o jovem monge largar o hábito para iniciar um relacionamento após um encontro fortuito.
Meses depois, Henri retornou à Taizé. Durante certo período, sublimou sua repentina paixão na amizade alimentada por cartas frequentes entre ele e Cláudia. Depois, a correspondência esmoreceu, Henri abandonou a vida monástica e dele Cláudia não teve mais notícias.
Graças ao domínio do idioma francês, ela se empregou numa grande empreiteira brasileira com obras na África e morou no Senegal, na Mauritânia e na Argélia.
Ano passado – 36 anos depois – Cláudia, agora com 68 anos e um neto, navegava no Facebook quando seu nome foi identificado por outro internauta. “Você é você mesma?”, indagou Henri do outro lado do mundo. Era. O contato entre os dois foi reatado e, súbito, explodiu uma paixão recíproca.
Henri, hoje com 60 anos, é economista bem-sucedido em Londres. Após largar o mosteiro, casou com uma asiática que já tinha três filhos e, com ele, ela teve mais dois. A relação durou 16 anos. Há 11 Henri se separou da mãe de seu casal de filhos.
Desde outubro passado, Henri já veio duas vezes ao Brasil reencontrar Cláudia. Agora pretende se aposentar e levá-la para uma viagem turística pelo Reino Unido: Escócia, Gales etc. Perguntei à Cláudia se está apaixonada. Deu um largo sorriso de moça feliz e respondeu: “Estou amando o amor”.
Nunca é tarde para amar é o título brasileiro da comédia romântica usamericana, de 2007, dirigida por Amy Heckerling e estrelada por Michelle Pfeiffer. De fato. Tenho uma amiga alemã de 80 anos, viúva de um brasileiro, mãe de quatro filhos espalhados pelo mundo.
Há dois anos ela ligou para a filha que vive em Frankfurt avisando que chegaria na terça-feira pela manhã. Como sempre fazia, dividia um período do ano entre temporadas com os filhos. A moça se desculpou por não poder ir ao aeroporto, pois a escola do filho havia marcado uma reunião de pais, mas preveniu que seu vizinho, um advogado aposentado de 84 anos, já havia se oferecido para fazê-lo.
Ao desembarcar, lá estava o advogado com a foto da viajante em mãos. Entraram no carro rumo à casa da filha e, sete meses depois, receberam os parentes e amigos para a festa de casamento e viajaram em lua de mel para uma ilha no Pacífico.
Doutor Anselmo, vizinho de minha mãe em prédio na Savassi, em Belo Horizonte, fez 100 anos em dezembro, com direito a baile no Automóvel Clube e valsa de debutante com a namorada de 82.
A vida ensina: o coração não tem idade.
Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org
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