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É sabido por todos que lidam com liturgia, que esse importante serviço nem sempre é compreendido, valorizado e respeitado por bispos, párocos, padres, leigos e até pelas próprias equipes de liturgia, quando se tornam refratárias às mudanças da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, sob a alegação do “sempre foi assim”. Tal assertiva vem em defesa da continuidade de práticas obsoletas, face à reforma litúrgica e em detrimento do aprimoramento dos serviços ministeriais celebrativos, bem como, da evangelização que a liturgia proporciona pela participação consciente no Mistério Pascal de Cristo, haja visto o que diz a Sacrosantctum Concilium 10: “A liturgia é o cume e a fonte da vida da Igreja”; e “A obra da salvação continua na Igreja, pela liturgia”; (SC 6).
Na verdade, por força do nosso batismo, todos nós cristãos fomos inseridos nesse grande mistério da morte e ressurreição de Cristo, e, por essa graça, recebemos o espírito de adoção como filhos de Deus,(Rom 6,4; Ef 2,6; Cl 3,1; 2Tm 2,11). Por isso é que, a nossa participação na celebração do Mistério Pascal de Cristo deve ser “consciente e ativa, de acordo com as exigências da própria liturgia e por direito e dever do povo cristão, em virtude do batismo” (SC 14), como “raça eleita, sacerdócio régio, nação santa e povo adquirido” (1Pd 2,9, cf. 2,4-5). Daí, a recomendação para que os ministros da Igreja procurem “por todos os meios, restabelecer e favorecer a participação plena e ativa de todo o povo na liturgia”. (SC 14).
Com efeito, é através da liturgia, em que a “obra de nossa redenção se realiza”, especialmente pelo divino sacrifício da eucaristia, conforme reza o Missal Romano, na oração sobre as oferendas do IX domingo depois de Pentecostes. Para realizar tal obra, Cristo está sempre presente nas ações litúrgicas de sua Igreja. Assim, além de sua presença especial sob as espécies eucarísticas, Cristo se faz presente, também, nos sacramentos; por meio de sua palavra, quando se lê a Escritura; enfim, na oração e no canto da Igreja (SC 7). Daí que, os agentes de pastoral litúrgica carecem de permanente e contínua formação, tendo em vista que o bom desempenho da liturgia depende do processo formativo, cuja finalidade é propiciar que os ministérios litúrgicos sejam exercidos com conhecimento e consciência do que significam, para não se tornarem meras tarefas auxiliares das celebrações.
Dentre os elementos de grande importância para a liturgia, a partir do Concílio Vaticano II, destacam-se o canto e a música. Entretanto, a implementação do canto litúrgico nas celebrações, foi uma caminhada difícil e tormentosa por falta de um entendimento de que o canto e a música tem a finalidade de acompanhar os ritos que estão sendo celebrados, ou de ser o canto o próprio rito, a exemplo do Hino do Glória. Assim é que, os cantos litúrgicos vieram substituir os chamados “benditos” e hinos devocionais, geralmente de cunho catequético, que eram cantados nas missas. Daí surgiu a necessidade de que fossem observados alguns critérios para que o canto e a música pudessem, realmente, exercer a função ministerial de acompanhar o rito nas celebrações eucarísticas, ao invés de serem apenas um atrativo para motivar a assembléia. Nesse sentido, a Instrução Romana “Musicam Sacram”, explicando a intenção do Concílio Vaticano II, através do seu primeiro documento, a “Sacrosanctum Concílium”, para a sagrada liturgia, afirma que Liturgia é cantada e não existe uma celebração litúrgica na qual a música tenha apenas a função de “enfeite”. (CNBB Hinário Litúrgico, 3º Fascículo, PÁG 10).
Por outro lado, o Motu Próprio de Pio X, definia a música sacra como “parte integrante da Liturgia solene, participando de seu fim geral, que é a glória de Deus e a santificação dos fiéis”. (Idem, ibdem).
Ainda, a propósito do canto e da música, cumpre observar que, para caracterizá-los como litúrgicos, alguns critérios devem ser levados em consideração, tais como: os textos dos cantos serem originados ou inspirados na Bíblia; haver a relação clara dos referidos textos e das respectivas melodias com o tempo e as festas do calendário litúrgico, observando-se também o sentido teológico dos textos. Além disso, há outros critérios, como: possuírem os cantos melodias simples e acessíveis e que sintonizem com a linguagem poética; tenham raízes na cultura popular, facilitando a aprendizagem pela assembléia, afim de que esta possa exercer a participação ativa consciente e frutuosa no Mistério Celebrado. Sobre o assunto, vale transcrever o que diz Gregório Lutz, padre e doutor em Liturgia, em magistral entrevista à ZENIT: “Penso que devemos ter cuidado não somente com a qualidade artística do nosso canto, mas também com sua função litúrgica. Sendo de uma assembléia, o canto não deve ser individualista, nem totalmente subjetivista ou até sentimental. Evidentemente não deve faltar uma boa qualidade artística na letra e na melodia”.
E mais adiante explica: “Liturgia não é só o ritual que o clero realiza, mas é Jesus Cristo, nosso Sumo Sacerdote no meio do seu povo sacerdotal e com os membros do seu corpo místico celebrando a obra divina de salvação da humanidade. O Concílio Vaticano II, como suprema instância da Igreja, ratificou esta visão da Liturgia e colocou as balizas para a reforma litúrgica que devia facilitar que todos que no batismo foram ungidos sacerdotes, pudessem celebrar a Liturgia, participando dela ativa, externa e interna, consciente, plena e frutuosamente, e assim exercer o seu direito e dever como povo sacerdotal (cf. SC 14), em lugar de apenas assistir da nave da igreja ao que o clero faz no altar. Conforme o Concílio, os fiéis devem até aprender “a oferecer-se a si próprios, oferecendo a hóstia imaculada, não só pela mãos do sacerdote. (SC 48).” (ZENIT.org – 20.03.2011).
Infelizmente, falta ainda, essa consciência de que as assembléias celebrantes “têm direito e dever como povo sacerdotal” de cantar os cantos litúrgicos que favorecem a sua participação efetiva e consciente nos ritos celebrados, conforme acima explicitado na SC 14. Todavia, para que a ação participativa se realize, é de suma importância que a assembléia seja motivada para os cantos, através de ensaio dos mesmos, a realizar-se sempre um pouco antes da celebração.
Tais importantes observações, apontam para a conclusão que logicamente se impõe, qual seja: a não substituição do canto e da música litúrgica por outro tipo, não condizente com os critérios recomendados pela liturgia, nem afinados com o sentido da celebração e do tempo litúrgico, porquanto, isso vai de encontro à unidade litúrgica da Igreja, bem como, à linha adotada pela própria CNBB. No caso, mister se faz uma formação litúrgico-musical que pode ajudar o entendimento e a aceitação das orientações para que o canto e a música se tornem propriamente litúrgicos, como requerido para as celebrações rituais da Igreja, especialmente no que se refere à celebração eucarística.
Essa conclusão é válida, também, para as denominadas “missas de envio”, de “encontros”, de “pós encontro”, etc., em que se constata a invasão de cantos não apropriados à celebração eucarística, oriundos dos movimentos religiosos divulgados pela mídia, aplicando-se, a mesma conclusão, também, às missas de sétimo dia, de bodas, de aniversários, etc., em que os cantos litúrgicos são totalmente ignorados e substituídos por outros, escolhidos aleatoriamente ao gosto dos interessados, através de pessoas alheias à lirturgia, resultando na apropriação da celebração para se prestar culto à personalidade do morto, em vez de uma celebração em sufrágio de sua alma. Mutatis mutandi, o mesmo se aplica, também, às outras celebrações acima referidas, em que, o culto às personalidades, ofusca o Mistério Pascal de Cristo, que está sendo celebrado. Tais distorções merecem uma reflexão por parte daqueles que tem a responsabilidade na preservação da celebração eucarística, tendo em vista que a liturgia não é uma opção, mas, uma diretriz para toda a Igreja, por força do Concílio Vaticano II, cuja Constituição sobre a sagrada liturgia, a ‘Sacrosanctum Concilium’, no número 7, diz; “com razão se considera a Liturgia como o exercício da função sacerdotal de Cristo”. E no número 16, assim prescreve: “Nos seminários e nas casas religiosas de estudo, a liturgia deve ser considerada matéria indispensável e prioritária”.
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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