Madrugada de sábado, 19 de fevereiro de 2011. Aglomerado da Serra, região habitada por famílias de baixa renda em Belo Horizonte. Três soldados da ROTAM (Rondas Táticas Metropolitana), comandados pelo cabo PM Fábio de Oliveira, 45, cercam dois pacatos moradores – o enfermeiro Renilson Veridiano da Silva, 39, e seu sobrinho, o auxiliar de padeiro Jeferson Coelho da Silva, 17.
Acusados de serem traficantes de drogas, tio e sobrinho negam. Os policiais militares gritam que traficantes têm que pagar propina. Eles não têm dinheiro. Obrigados a deitar no chão, os dois são fuzilados.
Vizinhos e amigos das vítimas se revoltam. Na manhã seguinte, queimam três ônibus. O governador Antônio Anastasia exige apuração. Os policiais são presos na quarta, 23. O cabo Oliveira, que comandava a patrulha, fica numa cela do 1º Batalhão da PM.
Na quinta, 24, o cabo recebe a visita de sua ex-mulher e do advogado Ricardo Gil de Oliveira Guimarães. O preso aparenta tranquilidade.
Na sexta, 25, ao amanhecer, o cabo Oliveira é encontrado morto na cela, enforcado pelo cadarço do calção que usava, amarrado ao registro da água do chuveiro.
Suicídio ou suicidado? Desespero ou queima de arquivo? Autoridades policiais que investigam o caso suspeitam que calaram definitivamente o cabo para evitar que denunciasse outros assassinatos cometidos pela PM mineira.
Dois inocentes trabalhadores mortos à queima roupa. O governador Anastasia está diante de sua primeira oportunidade de comprovar que a PM de Minas não pode ser confundida com reduto de assassinos.
Na segunda, 28 de fevereiro, o corpo de Sebastião Bezerra da Silva, 40, da Comissão de Direitos Humanos de Tocantins, foi encontrado numa fazenda do município de Dueré (TO). Os dedos das mãos estavam quebrados e, sob as unhas, sinais de agulhadas; os dedos dos pés tinham sido arrancados; e se apurou que fora asfixiado por estrangulamento.
Representante regional do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Silva havia denunciado PMs por prática de torturas e assassinatos. Nos últimos meses, apurava a responsabilidade pelo linchamento de um preso numa delegacia do interior.
Cabe ao governador Siqueira Campos, de Tocantins, apurar este crime hediondo e demonstrar que seu estado nada tem a ver com o velho faroeste onde imperava a lei do mais forte.
O presídio Urso Branco, de Porto Velho (RO), comporta 456 presos. A 31 de dezembro de 2001 abrigava 1,2 mil detentos. Muitos circulavam livremente pelos pavilhões. O poder judiciário determinou que todos fossem recolhidos às celas.
No dia 1º de janeiro de 2002, o diretor do presídio, Weber Jordano Silva; o gerente do sistema penitenciário, Rogélio Pinheiro Lucena; e o diretor de segurança, Edilson Pereira da Costa, decidiram misturar, no pátio, os presos jurados de morte com os demais.
Arrastados, os condenados pela lei do cão gritavam pelos corredores, pediam clemência aos agentes penitenciários, pois tinham certeza do destino que os aguardava. Em vão. Foram assassinados 27 presos.
No sábado, 26 de fevereiro de 2011 – nove anos após o massacre – a Justiça de Rondônia condenou 17 detentos, acusados de participarem da chacina, a sentenças de 378 anos a 486 anos. Os diretores e agentes penitenciários foram todos absolvidos.
A Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Porto Velho criticou a promotoria por inocentar o ex-diretor de segurança: “Era quem mais sabia que, se colocasse os presos no pátio, eles seriam mortos.”, declarou Cíntia Rodrigues, advogada da comissão.
Os três episódios acima descritos representam, lamentavelmente, o reino da impunidade e da imunidade que assola o Brasil. Defender direitos humanos no Brasil ainda é considerado um acinte. A Justiça é cega quando se trata de penalizar autoridades e policiais, pois não enxerga que a lei não admite que se aja acima dela. Nossos policiais recebem formação inadequada, muitos atuam com prepotência por vestirem uma farda e portar uma arma, humilham cidadãos pobres e praticam extorsões.
A ministra Maria do Rosário, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, deve se antecipar na exigência de apuração de tão graves crimes, antes que o Brasil passe a vergonha de se ver, mais uma vez, condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA.
Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org
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