professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio

A palavra volátil significa “que voa, tem asas”. Assim olhada à primeira vista, encanta a imaginação e a sensibilidade. Quem já não desejou voar e ganhar espaços infinitos, dependente apenas de suas asas? No entanto, em seu sentido figurado a evocação não é tão positiva. Volátil é alguém cuja opinião ou ponto de vista muda com facilidade; inconstante, volúvel; que não é firme ou permanente; inconstante, mutável.

A palavra parece-nos adequada para definir as relações humanas hoje em dia. São, em sua maioria, relações sem firmeza, sem compromissos em longo prazo, sem permanência e portanto, carentes ou vazias de sentido. Mudam com extrema facilidade Voláteis, portanto.

Relações voláteis geram identidades igualmente voláteis. Incertas. Mutantes. Formam-se a partir delas personalidades autorreferenciadas, de uma autonomia não livre, mas compulsiva. São além disso identidades temporárias, que podem ser apagadas e substituídas por outros rótulos. A memória, atrofiada pelo ritmo da vida líquida pós-moderna, ensina que esquecer é o melhor, a fim de poder reescrever na lousa apagada uma nova identidade. Hoje me autocomprendo assim, amanhã já será diferente. São igualmente identidades plurais, abertas, sem escolhas ou decisões em que empenhem a vida.

Os vínculos admitidos são aqueles que cabem nas redes, como Facebook, Orkut etc. Ali não se depende de relações afetivas que pesam e tiram mobilidade. E quando a comunicação não mais interessar, pode-se cortá-la com a ligeireza de um clique. E novamente mergulhar na mais profunda solidão e vazio de sentido a que este estado de coisas condena o sujeito pós-moderno. A única relação que não o ameaça é aquela que ele estabelece com o seu eu, convertido no mortal espelho de Narciso. Voltar-se para si mesmo é a única instância dotada de certa permanência em um mundo complexo, incerto e inevitável.

A interioridade humana, hoje, vai se convertendo em um novo paradigma emergente. Trata-se, sem dúvida, de uma dimensão constitutiva do ser humano. O que se dá, no entanto, de fato, é um estreitamento da interioridade, que se vive em grande medida pelo fluxo sempre em movimento das sensações que absorvem, não favorecendo o encontro profundo com o próprio eu e, por conseguinte, tampouco com o outro.

Por um lado, trata-se de um sintoma extremamente positivo, uma vez que denota o advento da já iniciada recuperação do espiritual como dimensão de importância iniludível. Os seres humanos de hoje experimentam, de novo, aquilo que Santo Agostinho escreveu em seu memorável livro das Confissões: “Eu não amava ainda e amava amar: buscava o que poderia amar, amando amar”.

Por outro lado, esse voltar-se para dentro de si mesmo pode incluir, e efetivamente inclui, a tentação de esconder-se em si mesmo e terminar não conseguindo daí sair. E a consequência é o estreitamento da própria interioridade que tem como resultado o fechamento ao outro. E uma terrível e desesperadora solidão.

Os postos instáveis de trabalho nas grandes empresas, a convivência em espaços protegidos pelo medo ao que possa chegar de fora, os espetáculos maciços de diversão, os transportes que levam de um lugar a outro incontáveis pessoas que viajam juntas sem encontrar-se, propiciam conexões funcionais e passageiras, que não deixam rastro na pessoa que se desloca sem pausa pelo mundo líquido.

O vazio que isso gera já é bastante para denunciar que o ser humano é constituído pelo primado da alteridade. Apenas nos olhos do outro vejo quem sou e descubro minha identidade que já não pode dispensar a diferença do outro para autocompreender-se. A intimidade do sujeito humano só existe habitada pela presença de um Mistério.

A volta à interioridade como paradigma não pretende ser, portanto, um ensimesmamento do eu. Mas sim a condição indispensável para o reconhecimento da Presença que habita o humano. E esse reconhecimento, por sua vez, exigirá da pessoa um êxodo, uma saída de si, em direção ao outro, humano e divino, numa relação em que é imperioso entrar para re-encontrar-se e re-conciliar-se com sua identidade perdida. A volatilidade é inimiga desse fundamental encontro marcado desde toda a eternidade.

Autora de “Simone Weil – A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco). http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape/

Copyright 2011 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária ([email protected])

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