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Nesta semana, a partir de 07 de fevereiro, o Rio Grande do Sul e todo o Brasil recordam o martírio do índio Sepé Tiaraju, cacique Guarani que, em 1756, deu a vida por seu povo e para que a terra pudesse ser comum a todos. Infelizmente, até hoje, poucos brasileiros conhecem a história deste índio que o povo do Rio Grande do Sul canonizou como “São Sepé”, nome de uma cidade gaúcha da região central do Estado.
Em 2009, o presidente da República sancionou o projeto-lei n. 5.516/2005 que inscreve o nome de Sepé Tiaraju no Livro dos Heróis da Pátria. Tiaraju na língua guarani significa “facho de luz”. Ele era o corregedor da Redução de São Miguel quando, em 1750, os reis de Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Madri.
Até aquela data, a região hoje ocupada pelos estados de Paraná, Sta Catarina e Rio Grande do Sul pertencia à Espanha e era chamada de Paraguay. Ali viviam mais de um milhão de índios da nação Guarani. A língua do território era indígena e o governo era de tipo republicano (Cf. Clovis Lugon, A República cristã comunista dos Guaranis, Ed. Paz e Terra, 1968).
Para se compreender como esta experiência social e política começou, é bom lembrar que, sob o pretexto de considerarem os índios como selvagens, tanto espanhóis, como portugueses os caçavam para ser escravos em suas fazendas. Os índios que reagiam a isso eram mortos. Os jesuítas que, comunitariamente, não defenderam os negros da escravidão, se sentiram responsáveis pelos índios e tinham uma única solução legal para evitar a destruição das nações indígenas: fazer reduções, ou seja, aldeias de índios batizados que, então, eram considerados cidadãos do império e não podiam ser escravizados. A redução era ambígua, porque obrigava os índios a viverem como cristãos brancos, mas, nas aldeias, eles reproduziam muito de sua cultura, falavam seu idioma nativo e estabeleceram uma forma de governo mais comunitário, além de desenvolverem arte como a música, na qual eram exímios artistas.
Em 1610 foi fundada a primeira redução, próxima do rio Iguaçu, atual Paraná. Em 1630, havia 30 aldeamentos ou reduções na região do rio Guairá, com mais de cem mil índios e alguns padres. Voltaire, intelectual francês do século XVIII, inimigo jurado da Igreja e principalmente dos jesuítas, escreveu: “A experiência das missões Guarani representa um verdadeiro triunfo da humanidade e uma das mais belas experiências sociais já realizadas”. Entretanto às ambições dos impérios europeus, a experiência dos Sete Povos da Missão era uma ameaça. Por isso, no Tratado de Madri, os reis de Portugal e Espanha se aliaram. O rei de Portugal deu de presente à Espanha a Colônia do Sacramento, atual Uruguai e recebeu do rei espanhol o território dos Sete Povos da Missão. O tratado exigia que os jesuítas fossem expulsos da região e as aldeias da missão destruídas. Os índios se negaram a abandonar suas terras, suas lavouras e um gado estipulado em dois milhões de cabeça. As aldeias construídas como verdadeiras cidades, com Igreja, praça, padaria, salão de música e escola eram mais adiantadas do que muitas cidades européias da época. O cacique Sepé Tiaraju comandou a resistência dos índios contra os dois exércitos imperiais reunidos. Ele dizia: “Esta terra, nós a recebemos de Deus e não podemos deixá-la”. Sepé tombou em combate no dia 07 de fevereiro de 1756 em Batovi, hoje São Gabriel (RS). Três dias depois, em Caiboaté, os exércitos de Portugal e Espanha trucidaram os últimos índios e obrigaram crianças e mulheres sobreviventes a atravessar o rio Uruguai e se dispersar pelas florestas e campos sem fim.
Há 25 anos (1986), o mundo inteiro viu parte desta história no filme inglês A Missão de Roland Joffé. Muita gente se sentiu atraída pela bela paisagem das Cachoeiras do Iguaçu e pela trilha sonora de Ennio Moricone. Entretanto, é importante o argumento. Os índios matam um jesuíta prendendo-o em uma cruz e o jogando nas cachoeiras. Um outro padre (Jeremy Irons) sobe o rio para fundar a missão de São Carlos no atual oeste do Paraná. Este é aceito pelos índios pelo fato de tocar maravilhosamente o oboé e os Guaranis serem sempre fascinados pela música. A partir daí o filme mostra como eram organizadas as missões.
Fazer hoje a memória de São Sepé Tiaraju é uma forma de recordar a tantos índios e índias que até nossos dias arriscam a vida para que os povos autóctones deste continente possam viver livres e em sua terra. Hoje, existem outras formas de eliminar suas culturas e ameaçar suas vidas. A construção de imensas hidroelétricas em suas terras, como o governo faz atualmente em Belo Monte (Xingu), além dos grandes prejuízos ecológicos, põe em riscos a vida de vários povos indígenas da região. Cabe a nós honrar a herança de São Sepé e prosseguir esta história de solidariedade aos mais fracos e de defesa da terra e das águas.

(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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