Djanira Silva 7 de fevereiro de 2011

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          Pelos olhos de Moisés eu vi a vida.
          Abri as portas dos mistérios. Vi a cúpula da mesquita vermelha, o véu vermelho da mulher, o pecado vermelho a zombaria do sorriso de sangue, fruto vermelho que amadureceu e se abriu sobre os lábios de Betsabá.
          A saia vermelha da adúltera, o manto vermelho da odalisca, levados pelo vento cobertos pela areia vermelha, varriam o chão. As sandálias do apóstolo deixando marcas, sinalizando os caminhos da volta. Mundo das primeiras sensações do homem depois do faça-se a luz. Sem proteção o homem precisava do amor para orientar-lhe os passos. A tarde se avermelhou enrubescendo o mundo. Os olhos encheram-se do rubro doloroso de uma tarde em agonia.
          Mar vermelho, águas mortais, onde abri passagem para a minha dor. Pelos olhos de Moisés vi o passado. Cadeiras nas calçadas, almas em desalinho, caminhos de ir e de voltar. Apenas fui. Estarei voltando quando o mundo se apagar nos seus olhos.
          A mulher rasgou os véus em sinal de luto. A nudez feriu de morte a alma do homem no corpo das serpentes nos olhos envenenados de onde saiu o verde da vida, a luz do sol de abril, dos campos de maio, os ventos cinza de agosto.Então, vi escrita a vida no olhar magoado de Moisés.
          Caminhei sem olhar para trás. A mulher de Lot ensinou-me a desobediência eu não podia sonhar porque ainda precisava viver.
          No ventre da gruta, o olhar me enganou. Deu-me o fruto vermelho do seu ventre. Fruto banhado no sangue azul, na luz amarelada de um sol de estio. Recebi a herança do bem e do mal, nos olhos de ver o mundo. O poder de criar e destruir. A vaidade, exercitou meu poder. Criei o por de sol, pus amarelo e vermelho em seus raios, plantei chamas no ventre da terra, alimentei o vulcão, armei tempestades, iluminei os raios e as fogueiras, criei na mulher a volúpia e a cupidez. Com um terremoto, destruí tudo.
          Já não canto. O pandeiro em minhas mãos, perdeu os movimentos. A voz sibila maliciosa marcada por mistérios que não posso nem devo saber. Já não me serve esta alegria. O mundo se esvaziou. Nos olhos de Salomé ressuscitei o mundo, Vi as cores. A dor dos sete véus. Com o azul lilás, a suavidade, tentei apagar o tumulto das cores.
          A fita amarela prendeu na fotografia da mulher o sorriso de uma saudade amiga. A fita vermelha desatou a vida. A fotografia de um por de sol lançou sobre todas as coisas seus fantasmas. O vermelho, o sangue, a vida, a rosa, a sombra, a mulher se esvaindo nos raios do sol, nos passos indecisos, no olhar do homem.
          No roxo da morte o derradeiro laço. Alguém conseguiu prender almas num entardecer sem adeus.
          No fundo da casa as lembranças de caminhos sem cor.
          Persigo duendes nascidos à minha sombra. Mistérios que me mandam rir, mandam chorar. Pecados seculares, que habitam castelos de pedra e de argila. Pecados de areia.
          Nas colinas sagradas, em meio às ruínas de almas seculares, aprendi o fascínio das palavras. Perdi meus véus nos caminhos. Vesti-me com a pele da serpente. Entreguei-me ao homem.
          Tornei-me fosforescente para que possa viver, quando o sol se apagar no olhar de Moisés.

Obs: Texto retirado do livro da autora – O Olho do Girassol

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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