Padre Beto 21 de fevereiro de 2011

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Certa vez, um homem rico se encontrava em frente à sua casa quando viu, do outro lado da rua, um mendigo esfregar suas costas em um cercado. Informado por um de seus empregados de que o pobre homem não tinha, havia meses, com o que pagar um banho, deu-lhe algum dinheiro, uma muda de roupa e ofereceu-lhe uma oportunidade de emprego em sua fazenda. A notícia do ocorrido espalhou-se pela cidade, e não tardou para que outros dois pobres, que viviam nos arredores, fossem à mesma cerca e, para atrair a atenção do homem rico, puseram-se a esfregar energicamente suas costas às estacas. O homem rico, ao avistá-los, irritou-se e gritou aos dois: “Fora daqui, embusteiros idiotas! A quem vocês pretendem enganar!” Os dois homens se aproximaram e perguntaram ao rico: “Mas, por que o senhor acreditou no outro?” O homem rico com um sorriso explicou: “Por que ele estava sozinho! Naturalmente, sentindo aflição nas costas, só encontrou um meio: esfregar se na cerca. Mas, vocês são dois! Se não fossem cínicos e impostores, um coçaria as costas um do outro!”

Seja ele consciente ou inconsciente, o grande objetivo do ser humano é a felicidade. Esta, para Agostinho, não é alcançada por simples satisfações momentâneas, mas através de uma sintonia com o criador do universo, com Deus. Segundo o filósofo, encontramos um caminho orientado para Deus, e para a satisfação pessoal, através do sentimento mais nobre que podemos experimentar: o amor. Desta forma, o amor não se constitui somente na base da ética agostiniana, mas principalmente na verdadeira religião. Se o amor é sincero e verdadeiro, o ser humano não necessita de nenhuma norma moral, preceito religioso ou coercitividade legal. “Ame e faça o que quiseres” (dilige et quod vis fac), escreveu Agostinho. Se em tudo que faço e por quem faço, o motor de minha ação é o sentimento de amor, já tenho no próprio feito a atitude correta e a satisfação em viver. Não importa o estilo de vida que possuo, não importa como escolho viver, se o amor orienta minha vida, estou em sintonia com Deus. Nós descobrimos esta verdade a partir do momento que deixamos de idealizar o amor e o compreendemos como um sentimento de querer bem a vida. O amor que nos leva a Deus se constitui na ânsia que temos de harmonia, de estar de bem com a vida e na necessidade de ver concretizado o bem estar de todos. “Amor é um fogo que arde sem se ver…” (Luiz de Camões).

Neste sentido, Agostinho faz a distinção entre usar e saborear. Nós podemos usar de todas as coisas de nosso mundo, delas podemos nos servir à vontade, porém o seu uso só terá sentido se nos levar a um único objetivo: saborear a felicidade em Deus. Esta felicidade nada mais é que a harmonia, a realização da vida. O ser humano pode se tornar egocêntrico e viver somente para si. Desta forma, ele buscará a satisfação egoísta e momentânea, nada terá importância e coisas, leis, instituições, pessoas deverão estar a seu serviço. O ser humano que vive assim, por mais que conquiste e tenha, sempre será infeliz, pois o ego é um “saco sem fundo”. O ser humano também pode viver para uma determinada ordem ou instituição social. Desta forma, ele tentará sempre cumprir leis ou preceitos. O legalista geralmente é correto, mas com o tempo acaba se tornando frio e sua vida no final sem sentido, pois nenhuma ordem social, instituição ou lei constitui-se em um fim. Na verdade, todas estas coisas só são necessárias para que todas pessoas possam viver em estado de paz, ou seja, tenham direito à moradia, alimentação, educação, trabalho e sejam capazes de amar.

Nós saboreamos a presença de Deus quando o uso das coisas deste mundo não é simplesmente egoísta e interesseiro, mas sempre aberto à partilha, ao compartilhar com o outro. Por isso o amor concreto à vida é a verdadeira religião. Vivenciamos esta quando fazemos de qualquer atividade um caminho para se viver o “re-ligare” existencial, ou seja, a experiência de amar a vida. Quando o católico, o evangélico, o hindu, o muçulmano, o umbandista se tornam verdadeiramente religiosos deixam de ter adjetivos e adquirem uma única qualidade: a vivência concreta do amor. Estar em sintonia com Deus não tem a ver necessariamente com preceitos religiosos, doutrinas ou dogmas, igrejas, templos ou mesquitas. Se alguém se torna religioso em uma igreja católica, deixará de ser “católico” e será simplesmente um ser que ama sem nenhum outro rótulo ou atributo. Se um dia a humanidade alcançar esta consciência, religiões, instituições beneficentes e livros de auto ajuda se tornarão desnecessários, pois a sintonia com Deus e a realização pessoal serão muito mais que um ato de fé, um ideal ou uma obrigação moral, mas pura e simples realidade. “Um instante de amor vale mais que setenta anos de adoração” (provérbio árabe).

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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