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Um discípulo perguntou a seu mestre qual seria a diferença entre filosofia, metafísica e teologia. O sábio, depois de meditar por alguns segundos, respondeu ao aluno com um sorriso provocativo no rosto: “A filosofia se define na seguinte situação. Você se encontra em um quarto escuro com um gato preto e você tenta pegar o animal. No caso da metafísica, você está em um quarto escuro sem um gato preto e você tenta pegar o gato preto”. “E a teologia?”, perguntou interessado o discípulo. “No caso da teologia”, continuou o mestre, “você se encontra em um quarto escuro sem um gato preto e você tem a certeza de que já pegou o gato preto!”

Realidade e verdade não são exatamente sinônimas. Enquanto a primeira se constitui em todo o espaço vivenciável pelo ser humano, a segunda é o conteúdo intelectual que este ser humano pode retirar da realidade. Desta forma, cada pessoa possui a sua interpretação, sua verdade diante das situações que vivencia, ou seja, diante da realidade. Enquanto a realidade pode ser física, virtual, imaginativa, a verdade é constituída necessariamente de três partes: o fato (a própria realidade), a afirmação sobre o fato e a frase através da qual a afirmação é expressada. Qualquer pessoa pode ter a sua verdade sobre uma realidade, desde que, de alguma forma, ao vivenciá-la possui um conteúdo intelectual sobre ela que é formulado através de uma frase. Isso não significa que esta verdade coincida com a realidade, ou seja, possuir uma verdade nem sempre significa compreender a realidade como ela é. Portanto, uma verdade pode ser subjetiva ou objetiva. A objetividade ou subjetividade de uma verdade é medida através de provas que mostrem a correspondência da afirmação com o fato. Quando podemos comprovar que nossa afirmação coincide com o fato temos uma verdade objetiva e com ela uma certeza. Quanto mais percebemos que nossa afirmação está distante do fato menos a mesma é aceita e cada vez mais é considerada como uma verdade subjetiva. A verdade subjetiva, porém, não significa necessariamente uma mentira. A mentira é uma distorção proposital da afirmação sobre o fato. A mentira surge quando, apesar de possuirmos a verdade objetiva, por algum motivo, modificamos a afirmação. A mentira está muito mais ligada à intenção do que à relação entre afirmação e fato. De qualquer forma, quando temos uma verdade objetiva alcançamos uma certeza, desde que não se encontre mais nenhuma outra melhor afirmação sobre a realidade. “Não conheço fato mais encorajador que a inquestionável capacidade do homem para elevar sua vida através de um esforço consciente” (Henry David Thoreau).

O problema começa quando refletimos sobre o tema principal da teologia: Deus. Este ser superior não se manifesta aos homens como as outras realidades que possuímos. Portanto, a teologia trabalha com o que chamamos de “verdades de fé”. Nós podemos assumir uma verdade através da fé; esta, porém, nunca poderá nos oferecer uma certeza. “Deus”, por exemplo, pelo menos até agora, não se deixa ser comprovado, o que significa que, no caso de Deus, não podemos medir a aproximação da afirmação com o fato. Portanto, dizer que Deus existe é uma afirmação de fé e não uma certeza. Não existe nada que nos leve à comprovação deste fato. A vida em si não nos leva necessariamente à afirmação de que Deus existe. Os textos bíblicos também não são provas da existência de Deus. Da Bíblia podemos ter a certeza quanto a sua datação, em que língua foi escrita ou sobre a cultura na qual seus textos surgiram, mas assumir seu conteúdo como verdade é um simples ato de fé, pois nada pode provar sua objetividade. Se fosse possível provar que Jesus Cristo é filho de Deus, que teremos uma vida pós-morte e que Deus existe, não teríamos uma diversidade enorme de religiões e muito menos pensamentos ateístas. Justamente por não termos certeza sobre estas verdades teológicas é que necessitamos da ajuda da fé. Como fé não é sinônimo de certeza, a dúvida se torna totalmente legítima e necessária. Por isso, enganasse quem afirma que a dúvida é inimiga da fé, pelo contrário, as duas são companheiras constantes. A fé nos leva a ter coragem de duvidar, de tentar conhecer melhor a origem e a coerência de nosso pensamento religioso. A dúvida, por sua vez, faz com que a fé deixe de ser infantil e passe a ser mais racional e consciente. Quem possui uma verdadeira fé nunca ignora a escuridão do quarto. Ter fé não significa agarrar-se cegamente a um dogma, mas sim ter a coragem de mergulhar no desconhecido sem o medo do que possa encontrar. Uma vida de fé lúcida não consiste em detalhar as cores, o tamanho ou o peso do gato, mas abrir os olhos para a escuridão do quarto. “A verdade é filha do tempo e não da autoridade” (Galileu Galilei).

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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