Laudi Flor 24 de janeiro de 2011

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Ele passava na vila todos os dias as 13h00min( treze horas) em ponto. Exibia um porte esguio, vestia sempre uma única roupa surrada e suja, usava um chapéu preto que o deixava com ar de D. Quixote de La Mancha, e assim, sob o sol escaldante do nordeste, asfalto seco, ardente e sem vida, ele conseguia andar sem sapatos. Isso parecia não incomodá-lo.

Nunca perguntei seu nome, mas aqui o chamaremos de D. Quixote.

Naquela época eu tinha concluído o colegial,estava noiva e já procurava emprego, um “bico” que custeasse minhas despesas básicas. Raramente sobrava tempo, mas quando o mormaço da tarde incomodava , debruçava-me na janela e ficava a sonhar, apreciando o movimento dos carros. De longe já observava a caminhada do meu personagem favorito, já conhecia sua maneira elegante de pedir esmolas. Assim, me apressava em correr a cozinha para arrumar um prato com tudo que havia sobrado do almoço!

Fui me afeiçoando àquela figura e nem me importava com as chacotas das amigas, que falavam em tom de brincadeira: “Lá vem o seu velho pobretão !”.

O tempo passou, finalmente consegui acertar aulas de reforço e aquele “primeiro emprego” me conferiu a oportunidade de oferecer aquele senhor um par de sapatos, já que no meu entender, o asfalto era por demais sofrido e devia incomodar seus pés.

Pedi a alguém que conseguisse o número de seus sapatos a fim de presentear-lhe, mas estranhamente “D. Quixote”, não quis informar. Resolvi, então, ir perguntar pessoalmente. Ele balançou a cabeça negativamente. Fiquei intrigada e tornei a investir em minha proposta. Ouvi do meu personagem o seguinte: “Não quero os sapatos, porque no dia que você for embora da vila, meus pés estarão finos! Não sei se outra pessoa comprará outro par de sapatos pra mim! Se não comprar o sofrimento será ainda maior!” E não aceitou o presente.

Eu podia ter argumentado que: “Amanhã é outro dia” ou ”a felicidade do momento, vale uma vida”, mas era jovem demais pra isso!

Hoje, entendo perfeitamente sua recusa. Ocorre que muitas vezes, é melhor privar daquilo que é desejado para preservar-se por inteiro, a ter de jogar todas as cartas, apostando em algo que posteriormente o fará sofrer. Pode parecer comodismo caro leitor, mas é uma maneira sensata de viver a vida!.

Obs: Imagem enviada pela autora.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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