Padre Beto 26 de dezembro de 2010

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Certa vez, um proprietário de uma fazenda pediu a um sábio que o ajudasse a melhorar a sua produção rural. Apesar do proprietário possuir outros negócios, não deixava de investir em sua fazenda, mas esta permanecia com baixo rendimento. O sábio escreveu, então, uma frase em um pedaço de papel, lacrando-o em uma caixa e a entregou ao proprietário da fazenda dizendo: “Leva esta caixa por todos os lados de sua fazenda, três vezes ao dia, durante um ano”. Assim fez o fazendeiro. Pela manhã, ao ir ao campo segurando a caixa, encontrou alguns empregados dormindo, quando deveriam estar trabalhando. O proprietário acordou-os chamando sua atenção. Ao meio dia, quando foi ao estábulo, encontrou o gado sujo e os cavalos sem alimentar. E à noite, indo à cozinha com a caixa, deu-se conta de que os empregados desperdiçavam muitos gêneros alimentícios. A partir daí, todos os dias, ao percorrer sua fazenda com o amuleto, percebia coisas que deveriam ser corrigidas. Ao final do ano, voltou a encontrar o sábio e lhe disse: “Deixa esta caixa comigo por mais um ano. Minha fazenda melhorou o rendimento desde que estou com o amuleto”. O sábio riu e, abrindo a caixa, disse: “Você pode ficar com ele pelo resto de sua vida!” O proprietário compreendeu, então, o feitiço do amuleto ao ler a frase escrita pelo sábio: “Se queres que as coisas melhorem, deves acompanhá-las constantemente!”

Platão dividia o que chamava de alma humana em três partes: razão, coragem e cobiça. Para o filósofo, enquanto a razão se constitui na capacidade de percepção do universo, a coragem nos oferece um verdadeiro sentido a nossos atos e a cobiça nos possibilita ir além de nossos limites. Platão descreve estas três dimensões da alma humana utilizando a imagem de uma biga, ou seja, daquele carro romano de duas ou quatro rodas, puxado por dois cavalos. A biga chamada “alma” possui dois cavalos extremamente selvagens. O primeiro é a cobiça e o segundo a coragem. Os dois representam os nossos impulsos, inclinações e vontades. Quem permanece no carro de pé com as rédeas da biga é a razão. Esta deve realizar a missão de controlar os cavalos orientando-os para uma determinada direção. Assim, o desafio para o ser humano é o controle da cobiça e da coragem através de sua razão.

A cobiça é necessária para todo o ser humano. Ela faz com que nos movimentemos em direção de nossos objetivos. Um ser humano sem nenhuma cobiça corre o risco de deixar de viver, sendo simplesmente “vivido”. Sem a cobiça permitimos que a vida nos leve ao invés de levarmos a vida. A cobiça pode, porém, conduzir rapidamente o ser humano à destruição, a partir do momento em que ela deixa de ser acompanhada pelo bom senso. A cobiça desmedida e egocêntrica cria um mundo de selvageria e barbárie. O desafio da razão é controlar a cobiça com a necessária ponderação para que ela o movimente em direção de seus objetivos sem se tornar destrutiva a ele e a seus semelhantes. O segundo cavalo que movimenta a biga da alma humana, a coragem, nos possibilita enfrentar qualquer situação ameaçadora. Este segundo cavalo faz com que a biga continue a movimentar-se, apesar dos obstáculos que aparecem pelo caminho. A coragem, porém, pode se transformar em uma perigosa imprudência, a partir do momento que ela nos põe em perigo desnecessariamente. A moto, por exemplo, é um veículo que nos faz ser naturalmente arrojados. Quem possui uma moto sabe muito bem que este veículo, por ser pequeno e ágil, leva o motoqueiro a dirigir com mais rapidez e manobrá-lo com muito mais astúcia. Mas, ao se envolver em um acidente, o maior prejudicado, sem dúvida alguma, é o motoqueiro pois, afinal, ele se constitui na própria estrutura do veículo. Neste caso, a moto pode levar o ser humano a ser corajoso, arrojado e rápido na pilotagem, mas esta coragem não possui um sentido que possa equivaler a um custo alto como a própria vida. A razão deve utilizar a coragem para uma ação que tenha um motivo nobre e necessário. Se a razão consegue trabalhar estas duas forças da alma humana, a cobiça e a coragem, ela atinge o que Platão chamava de sabedoria. “Se o dinheiro for a sua esperança de independência, você jamais a terá. A única segurança verdadeira consiste numa reserva de sabedoria, de experiência e de competência” (Henry Ford). Quando a cobiça torna-se ponderada e a coragem racional, automaticamente a razão humana não somente atinge a sabedoria, mas também ganha um profundo senso de justiça. Estas quatro virtudes até hoje são chamadas de virtudes cardeais. A concretização destas depende, porém, do exercício constante do pensamento sobre nossos impulsos e nossas ações. Quem não raciocina sobre seus sentimentos e seus atos pode até mesmo ser extremamente culto e erudito, mas estará longe de alcançar a sabedoria. “Podemos ser cultos pela cultura dos outros, mas não podemos ser sábios pela sabedoria dos outros” (Michel de Montaigne).

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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