professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio *

A palavra contemplação evoca imediatamente a ideia de monges, frades, homens ou mulheres de clausura e consagrados à oração, vivendo em rigorosa ascese e distância do mundo e das ocupações cotidianas da maioria dos seres humanos.

Uma certa tradição religiosa nos ensinou que para contemplar é necessário isolar-se, fazer silêncio, retirar-se. Tudo isso exige, portanto, que a pessoa deixe a secularidade e as correntes da história e do século para recluir-se em espaços estritamente feitos e preparados para a vida monacal. Hoje, no entanto, com tudo que implica de gratuidade e entrega radical a contemplação não é mais apanágio de religiosos e monges. Os leigos começam cada vez mais, nestes tempos mutantes e pós-modernos, a sentir a atração por este gênero de vida que desde sempre recebeu a adesão do ser humano em sua busca pela Transcendência.

Homens e mulheres de hoje, como os de todo tempo, continuam a experimentar o drama de sentir-se limitados e frágeis e, no entanto, feitos para a união com o Sem-limites. E, no fundo mais profundo de si próprios, se percebem habitados pelo desejo ardente e incontrolável de entrar em comunhão com esta incompreensível realidade que se chama sagrado, ou sublime, ou Deus (a qual, devido ao fato de ser incompreensível não é sentida como menos real); de tocar e serem tocados pela Beleza Infinita; de tremer de amor sendo possuídos pela santidade divina, pelo Mistério Invisível que atrai e seduz, e cuja vida chama a participar e se integrar. Este mistério de Alteridade que lhes propõe a profunda comunhão na gratuidade. O amor passa, então, a governar suas vidas e a transformá-las segundo a inexorabilidade e a radicalidade de Sua vontade.

O princípio de toda experiência religiosa encontra um denominador comum no desejo seduzido, a inclinação fascinada e irresistivelmente atraída pelo mistério do Outro, que envolve, seduz e apaixona com sua beleza e sua “diferença”, que provoca o impulso incontrolável de aproximação, abraço e união.

Este mistério que atrai e seduz, no entanto, não deixa de amedrontar e provocar distanciamento reverente e trêmulo, de humildade pobre e impotente (cf. Ex 3,6-7): “ E Moisés cobriu o rosto, porque não ousava olhar para Deus “). É a violência mesma da atração que submete e se parece a uma torrente volumosa e apavorante, ou a um “fogo devorador”que devora e consome, mas ao mesmo tempo embriaga e delicia, o que a faz ser sentida tão radicalmente ameaçadora e inexorável como a própria morte, apesar de seu segredo ser a fonte da vida. É assim que a esposa do Cântico dos Cânticos, ferida de amor pela visão do Amado, geme, “enlanguesce de amor”(CT 2,5) e exclama: “ o amor é forte como a morte e a paixão violenta como o abismo”(Ct 8,6). São João da Cruz, no ponto mais alto da união mística e da inefável experiência unitiva com Deus, joga com as palavras morte-vida para tentar descrever a experiência ao mesmo tempo gozosa e dolorosa que o amor de Deus faz viver.

É fato, portanto, que o Eros divino se apresenta sempre como mais forte que o ser humano, vencendo suas resistências e se impondo por sua majestade. Sob o toque ao mesmo tempo suave e violento de seu amor, o profeta inclina a nuca e se rende, exclamando: “Tu me seduziste, Senhor e eu me deixei seduzir. Foste mais forte que eu e me venceste!” (Jr 20,7).

E, sob sua liderança, a esposa infiel retorna sobre seus passos, abandona seus amantes e se deixa docilmente conduzir ao deserto, à nudez e ao despojamento do primeiro amor da juventude. (cf. Os 2,16ss)

Ao mesmo tempo, no entanto, com seu irresistível poder de atração, e uma vez conquistado e “ferido” o coração humano, o Outro Bem-amado se esconde, retirando-se da capacidade de ser atingido por aquele ou aquela em quem ele acendeu uma chama inextinguível de desejo. Ele se revela, assim, como o Imanipulável, sobre o qual o ser humano não tem poder, mas ao contrário, deixa bem claro que é o próprio ser humano aquele que deve viver sob sua dependência. O deus assim desejado e experimentado não se rende às impaciências frenéticas do homem, nem à sua ansiedade apaixonada, mas, soberanamente livre, vai encher com sua plenitude quando e como desejará, a pobreza expectante e humilde que não deixa de desejá-lo e buscá-lo onde ele se deixa encontrar, para dele receber a salvação ( a saúde) e a santidade.

Toda esta profunda e fascinante experiência está sendo cada vez mais buscada não apenas por monges e monjas, mas por leigos e leigas, pessoas de fé que têm uma profissão, uma carreira, uma família e procuram mosteiros e casas de retiro para ali passar largos momentos dedicados à contemplação.

Esses contemplativos voltam depois ao mundo banhados e purificados pela contemplação na qual mergulharam e seu olhar transfigurado vai olhar as coisas de nova maneira, sendo possível então para eles e elas transformar a história na qual habitam com a mesma luz e o mesmo amor pelos quais foram transformados.

A diminuição de vocações contemplativas em muitas partes do mundo não significa, portanto, o fim da vida contemplativa. Significa que esta continuará mais importante que nunca talvez, mas reconfigurada e com novos protagonistas: os leigos e leigas que sedentos de Absoluto buscam o silêncio e a quietude para desfrutar da intimidade de um Deus que se revelou como Amante e deseja ser Amado.

* Autora de “Simone Weil – A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco).

Copyright 2010 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária ([email protected])

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