Djanira Silva 27 de dezembro de 2010

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            Cansada de ter juízo, a mulher se transformou. As horas arrumadas, o dia a dia, ter que lavar roupa para sujar novamente, botar e tirar prato da mesa, lavar, enxugar e guardar pratos e talheres, sair de casa e ter que voltar, fazer um bolo inteiro e cortá-lo em fatias, acordar e dormir, comer e sentir fome outra vez. Como uma gota d’água pingando a noite inteira, as idéias foram se desarrumando na sua cabeça e, assim, ela se transformou.
            Minha alma esvaecida presa nas teias do sofrimento, nos vestígios de outras almas, nos resíduos de outros sonhos mudou de lugar.
            A sombra que me seguiu me salvou. Dor ancorada dentro de mim presa a desejos e sonhos, livra-me da realidade de uma alma imortal.
            O que incomoda não é a alma é a ausência dela.
            Aquilo que não fizemos transforma-se em arrependimento.
            Afinal resolvi me entregar, lutei enquanto pude. Lembrei de tanta gente que luta e morre e ninguém sabe nem se viveu.
            Parei de viver a vida para viver a saudade. Não preciso de mais nada para alimentar o meu hoje. Conheço muitos caminhos e por eles posso voltar sempre que quiser. No mesmo dia serei criança nos jardins da minha infância adolescente namoradeira mulher cheia de sonhos e desejos.
            Afinal, resolvi escrever um novo mundo, contar uma história sem seqüência sem coerência, sem juízo. Posso fazer quando quero e o melhor de tudo é que somente eu sei, somente eu me sei. Visto o vestido de seda de listras coloridas calço os sapatos pulseira e a meia soquete e me visto de primavera e sol, borboletas e estrelas, vento luz e alegria. Sei que sou eu, a verdadeira a que me enfrenta para voltar a viver. Descanso do sonho me recomponho me reencontro, desapareço e salvo minha imagem em qualquer arquivo do tempo aquela que quero a imagem de mim o melhor que fui o melhor que sou o que serei não sei. Parei de sonhar para viver. Cansei de escutar e ver o que não queria. Preciso apenas de uma estrada para poder voltar.
            Ontem amanheci menina saí da cama abri a porta não vi o sol. Comecei a procurá-lo por toda parte quando de repente por entre as folhas da goiabeira ele me espiou como se soubesse que eu o esperava. Quando voltei para junto das minhas bonecas ele foi comigo iluminando-me os olhos, o sorriso. Sentei à sombra da mangueira e as bonecas me contaram histórias de me fazer feliz. Naquela manhã eu amanheci menina, vestida de cor de rosa, os cabelos trançados, presos num laço de fitas, a alma cheia de sonhos de histórias de era uma vez.

Obs: Texto retirado do livro da autora – A Morte Cega

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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