São arrojadas as utopias do profeta neste tempo de advento. Isaías imagina a era da reconciliação universal, sonhando o lobo e cordeiro convivendo em paz, o bezerro e o leão comendo juntos, a vaca e urso pastando lado a lado. E o menino inocente brincando com a cobra venenosa.
A literatura mundial não tem a coragem de imaginar esta transformação radical das pessoas e da natureza. Tanto que o provérbio latino insiste na persistência do mau instinto da raposa. “Vulpes pilum mutat, non mores!”: a raposa muda de pelo, mas não de costumes!
As fábulas se divertem, figurando animais como personagens que refletem de modo pitoresco o comportamento humano. Desde Esopo na literatura grega, passando por Fedro na língua latina, enriquecidas por La Fontaine em francês, e chegando ao nosso Monteiro Lobato no Brasil, o gênero literário das fábulas foi produzindo textos bonitos, que foram se tornando famosos, como a fábula da raposa e das uvas, da cigarra e da formiga, e tantas outras.
A mais famosa de todas é a do lobo e do cordeiro. O ingênuo cordeiro não se deu conta do perigo de dialogar com o lobo, que astutamente forjou um pretexto para devorá-lo.
As fábulas são realistas e honestas. Advertem que o intercâmbio dos cordeiros com os lobos será sempre vantajoso para estes, que continuam vorazes, e ainda por cima aproveitam para se cobrir de razões. A víbora está sempre pronta para devolver o carinho da criança com o veneno mortal de suas picadas.
As profecias são generosas e utópicas. Confiadas na ação de Deus, projetam um mundo renovado e transformado, em que os opostos se integrarão harmonicamente, compondo o mundo novo dos tempos escatológicos.
Diante deste contraste, surge a questão: que paradigma convém seguir, a utopia dos profetas, ou o realismo das fábulas?
Convenhamos que as fábulas não estimulam nenhuma transformação da sociedade. Ao contrário, se deleitam em expressar a malícia humana, tornando os animais símbolos de nossas mazelas, que se mostram irredutíveis e fatais.
Ao passo que a profecia tem a força de despertar utopias, que alimentam a esperança, e estimulam a ação corajosa e comprometida.
Mas é necessário precaver-se do descompasso entre a utopia e a realidade. Se usamos os mesmos parâmetros da utopia para analisar a realidade e propor sua transformação, corremos o risco de sermos sonhadores, mas ingênuos. Achamos que a realidade se molda fácil às nossas utopias. E não é verdade. Além dos sonhos generosos e motivadores, é necessário desencadear processos, identificar estratégias, e apostar em metas progressivas, que vão assegurando os lentos avanços em direção aos sonhos que acalentamos.
Olhando o estado de ânimo em que se encontram movimentos e pastorais sociais, parece estar chegando a hora do realismo, do bom senso e da consciência da complexidade dos desafios, e da necessidade de discernir o que é viável, e o que é mais urgente empreender.
Está sendo pensada, por exemplo, uma nova “semana social” para formular sugestões que motivem sociedade e estado para a construção “do Brasil que nós queremos”. As semanas anteriores já delinearam uma bonita utopia de país: um Brasil politicamente democrático, economicamente eqüitativo, socialmente solidário, culturalmente plural, regionalmente diversificado, religiosamente ecumênico. Tudo muito bonito, mas utópico. Agora parece se insinuar com insistência a pergunta: como fazer para tornar viável este sonho de país?
As sugestões concretas se constituem na melhor contribuição que os movimentos e pastorais sociais podem apresentar neste momento ao governo. Faz bem um tempero realista das fábulas, moderando as utopias, para que as propostas que sejam oportunas e viáveis.