A celebração do Natal já foi a expressão maior da simbiose entre fé cristã e cultura ocidental. Em nossos dias, esta simbiose está se diluindo rapidamente.
Na celebração do Natal entram agora componentes mutuamente alheios e estranhos. De tal modo que a festa vai perdendo sua identidade cristã. Assistimos, assim, a um processo histórico inverso daquele acontecido nos albores da Europa. Então, de uma festa pagã, se forjou uma celebração cristã. Agora, de uma celebração cristã se tomam os ingredientes para uma festividade que se desenvolve sem nenhuma relação com os dados da fé. A substituição do Menino Jesus pelo “Papai Noel” é o símbolo maior deste divórcio cultural.
A partir de Constantino, o cristianismo deixou de ser uma seita estranha e proibida, para rapidamente se tornar religião hegemônica, e finalmente única, nos territórios do antigo império romano.
O fato histórico mais expressivo desta nova situação, foi a coroação Carlos Magno pelo Papa, como imperador do novo “Sacro Império Romano”, nos inícios do século nono.
Com a iniciativa de São Francisco de Assis, no século treze, de recompor o ambiente de Belém pela montagem do “presépio”, acabou plasmando o formato exterior da festa comemorativa do nascimento de Jesus.
Quando eclodiu o Renascimento, no século quinze, os grandes artistas não tiveram nenhuma dúvida em encontrar nos episódios da fé cristã os argumentos para as suas obras de arte. Todas as obras primas de Michelangelo trazem motivos de fé cristã. Estava consumada a identificação entre fé e cultura, entre culto e arte.
Que o Natal tenha sido fruto desta lenta e progressiva identificação entre fé cristã e cultura européia, é testemunhado pela sua própria data. Ela é indicada por um dia de mês, 25 de dezembro. Sinal evidente de que é festa posterior aos inícios da Igreja, que só usava o calendário judeu, que tem como referência as semanas, e não os meses.
Assim, toda celebração indicada por dia de mês, testemunha ter sido introduzida posteriormente. No início, a Igreja não celebrava o nascimento de Jesus em dezembro. Nem os Evangelhos apresentam algum indício que leve a deduzir que o nascimento de Jesus tenha acontecido em alguma determinada época do ano.
A fixação do dia 25 de dezembro, provavelmente, se liga à antiga tradição pagã da festa do sol, que ocorria nesta época do ano. Com o crescimento das referências cristãs, foi fácil para a Igreja assumir a tradição festiva, proveniente do paganismo, mas impregnando-a de novo significado: Cristo, o “sol nascente que ilumina todo homem que vem a este mundo”.
Estava convertida ao cristianismo uma festa que era típica do paganismo. E isto foi feito pela Igreja sem nenhum constrangimento.
O desafio que agora inquieta a Igreja é como recompor a fé cristã com a cultura atual. Para que isto aconteça, se faz necessário um duplo movimento. Que a sociedade cultive valores autênticos, ao alcance de suas motivações. E que a Igreja ofereça o testemunho de quanto os valores cristãos iluminam a vida humana e lhe conferem um novo significado.
Assim, a beleza das narrativas de Lucas e Mateus, se tornarão roteiro renovado para a expressão simultânea da fé crista e da arte humana.
E o Natal voltará a ser a expressão da comunhão entre fé e cultura.