Entre as tantas virtudes – e Dom Casmurro é a maior delas -, Machado de Assis foi profético, pensando além de sua época. Uma prova? A marcha para a lua, aludida no Capítulo 145, de Quincas Borba, embora se afigure como pequena, sobretudo porque, apesar de o homem só ter pisado na lua no século 20, a expressão aparece como desafio a Rubião, na tentativa de suplantar, em voo, o condor e a águia.

É pouco? Sim. Mas, lá vai outro exemplo, o maior de tudo, salvo engano, colhido agora em Helena, de um diálogo entre Camargo e Estácio, quando o primeiro tenta convencer o segundo a ingressar na carreira política: – (…) Medita alguma ponte pênsil entre a Corte e Niterói, uma estrada até Mato Grosso ou uma linha de navegação para a China?

Excluída a estrada e a linha de navegação, fico só com a ponte pênsil, ligando o Rio de Janeiro, onde a Corte se situava, a Niteroi, para demonstrar a visão de Machado de Assis quilômetros e quilômetros a avançar décadas a frente, principalmente quando a ponte pênsil só foi, enfim, executada na década de setenta do século seguinte. Caso outra pessoa tenha tocado na matéria antes, me penitencio, por não conhecer a história do Rio de Janeiro, a não ser um fato aqui, um fato ali, sem descer a maiores profundidades. Uma vez mesmo – e eu não conto sob o rótulo da gabarolice – escrevi a uma revista de circulação nacional, mostrando que uma foto da Av. Rio Branco, atribuída como do século 19, dentro do tempo de Machado de Assis, era, em verdade, posterior, descoberta que fiz ao constatar a presença de postes de energia elétrica e de veículos a motor, que Machado não conheceu. Minha carta não foi citada, mas a revista corrigiu o equívoco com uma nota. Imagine a ousadia de sair de Sergipe uma carta alertando para o erro cometido em se cuidando de rua e da história do Rio de Janeiro!

O interessante de tudo é o registro de alguma façanha que, na sua execução, no momento em que é produzida, se constitui em algo que, à época, ninguém, absolutamente ninguém, pensa em poder transformar em realidade. Machado de Assis se arriscou e se deu bem, colorindo a pena com uma visão futurista.

Vou além, ainda, com Machado, muito além não só do seu tempo, mas de outros e outros que demorariam a chegar, a demonstrar que, com sua economia de filhos, também se antecipou, ao adotar, como marca de seus romances, a síndrome do filho único, a se manifestar, com profunda repetição. Com poucas exceções, a maioria dos casais machadianos só tem um filho. O que Machado não explica é como o casal evitava outro filho, numa época em que não existia nenhum anticoncepcional. Encerrar as atividades, passando marido e mulher a ser dois irmãos, é solução que não acredito possa ter ocorrido.

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Publicado no Diario de Pernambuco

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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