Djanira Silva 1 de dezembro de 2010

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          Já era a quarta ou quinta vez que passava pela porta do quarto. Olhava com prazer e medo o vestido sobre a cama. Prazer, de pensar como seria o baile. Medo, de que o pai não a deixasse ir. Ele era imprevisível. Se pelo menos tomasse um copo de cerveja, tudo estaria resolvido. Quando bebia, mesmo que fosse apenas um copo, se transformava, jogava fora a máscara. De carrancudo e grosseiro passava a ser brincalhão, compreensivo. Sem beber, era insuportável, rude, ríspido, ranzinza.
          O vestido de bolas, vermelho e branco, estava pronto, a costureira trouxera pela manhã. Invejava as amigas. Não passavam por aquela angústia todas as vezes que havia uma festa. Os outros pais eram diferentes. Não se opunham e até as acompanhavam.
          Como saber se ele deixaria ou não? Se pelo menos tomasse um copo de cerveja. Nem precisava mais, um copo bastaria. Pediu à mãe que falasse com ele.
          – Não posso, você conhece seu pai. Só há um jeito, e você sabe qual.
          – É, mas tenho medo que passe da conta. Aí, então, vai tudo por água abaixo.
          Passou e tornou a passar pela porta do quarto. O vestido estava lindo, perfeito. A mãe comprara a fazenda na conta da loja e mandara para a costureira, mesmo sem saber se a filha iria ao baile.
          – Será que ele deixa, mãe?
          – Só Deus sabe, minha filha, só Deus sabe.
          Tinha pena da filha. Conhecia bem o marido, as mudanças de humor. Quando bebia, mesmo que fosse apenas um copo de cerveja, chegava em casa sorridente, satisfeito, solícito. Se acontecia se exceder, também não incomodava. Sóbrio, era intratável, às vezes grosseiro.
          – Pede, mãe, insistia, se você pedir, ele deixa.
          – Com quem você vai?
          – Ora, se beber, ele mesmo leva.
          Passava pela porta do quarto, via o vestido, ia até a janela, olhava para rua. Esperava. Avistou o irmão que vinha correndo, trazia notícias.
          – O pai foi para o clube. Passei lá, estava jogando.
          – Bebendo?
          – E então?
          – Graças a Deus.
         Entrou no quarto, apanhou a bolsa, olhou o vestido mais uma vez.
          – Vou ao cabeleireiro, mãe.
          Fez maquilagem, frisou os cabelos, pintou as unhas dos pés e das mãos. E o pai, já terá voltado? Telefonou para casa.
          – Ele já voltou, mãe?
          – Ainda não.
          Começou a temer que bebesse demais, passasse da conta. Na volta encontrou o irmão na calçada.
          – O que houve?
          – Vá ver.
          Entrou correndo. O pai, bêbado, dormia em cima do vestido de bolas vermelhas.

        Obs: Texto retirado do livro da autora – Memórias do Vento

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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