PARTE I – APROXIMAÇÃO TEOLOGIA-LITERATURA

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A Teologia é a ciência da fé. A Literatura é arte: um meio de expressão que busca a comunicação. Não podemos, esquecer, porém, que também a Literatura se configura de modo científico e estruturado. Ambas, Teologia e Literatura, não são ciências exatas, mas ciências abertas, ou seja, passíveis de várias interpretações. O tratado teológico, a verdade de fé permanecem os mesmos, mas a maneira de interpretá-los evolui, muda através dos tempos. O mesmo se diga da Literatura: com certeza, a maneira de interpretá-la não é estática. Teologia e Literatura são produções abertas porque em relação com o mundo real.

Em nossa reflexão, tentaremos ler as obras literárias como expressão de uma busca de sentido que, comumente, se explicita na indagação filosófica, além de se crer respondida nas mais variadas religiões. Entendemos que uma aproximação competente da Literatura, na forma de crítica literária, ajuda ao teólogo (ou ao cientista da religião) numa melhor compreensão de seu objeto de pesquisa, seja a religião, o Sagrado, o Transcendente ou seus termos equivalentes.

Nesse diálogo Literatura-Teologia, distinguiremos três abordagens na mútua relação Teologia-Literatura: 1) a leitura teológica de uma obra literária, que é a maneira como analisaremos o samba Por um dia de graça, de Luiz Carlos da Vila; 2) a percepção do próprio texto literário como portador de uma reflexão teológica, que corresponde ao modo como sentimos a obra de Adélia Prado; 3) e finalmente, a análise poético-teológica do hino Ó Luz gozosa, do século III, pertencente à lírica grega primitiva.

A época em que vivemos reconhece vivamente as múltiplas possibilidades de diálogo interdisciplinar, na busca de aproximação, o mais fidedigna possível, da realidade humana. A Teologia não está isolada, quando, na tentativa de melhor refletir sobre a fé, de maneira rigorosa, científica, inteligível, racional, com seus métodos específicos e suas próprias leis, busca fazê-lo sob vários ângulos, ou seja, valendo-se de outras ciências, utilizando mediações humanas, como a Filosofia, as Ciências Sociais, as Artes e, dentre estas, a Literatura. E no diálogo com essas outras ciências a Teologia não perde a sua identidade.

Por sua vez, do lado da própria Literatura, vem-se construindo uma reflexão que lê a obra de arte como expressão de uma busca de sentido que, comumente, se explicita na indagação filosófica, na busca de uma melhor compreensão da fé e, à sua luz, do homem, do mundo, do universo, da vida.

Aproximar-se de universos diferentes como Teologia e Literatura supõe, antes de mais nada, evitar qualquer redução e confusão entre ambos. A reflexão teológica se situa num horizonte de fé; a obra literária se situa num horizonte artístico. O objetivo da Teologia é a produção do conhecimento de modo científico; a Literatura não visa à produção de conhecimento: a obra literária é gratuita. A Teologia está comprometida com o religioso; o compromisso da Literatura é com a expressão artística, com a beleza, e visa à comunicação entre o emissor (autor), receptor (leitor) e o código (texto). O ponto de intersecção entre Teologia e Literatura é que ambas são aproximações possíveis das reivindicações humanas, das explicações humanas e da condição humana. Sim, tudo o que é humano interessa à literatura e interessa igualmente ao mundo religioso do homem e da mulher. A ligação entre Teologia e Literatura acontece pela mediação da Antropologia, embora o objetivo do autor literário seja fazer literatura, e não desenvolver um tratado antropológico em sua obra.

Talvez pudéssemos falar do “poder teológico da literatura”, a saber, da capacidade que só a arte e o texto literário possuem de nos levar, o mais fundo possível, em nossa ardente busca de completude, de respostas, lá onde o nosso ser habita, ao radical e totalmente diferente, ao “Todo Outro”, a Deus.

A revelação de Deus é sempre mediada pelo humano, o que nos dá a certeza de que estamos diante de uma alteridade. Ora, se a Literatura é uma expressão humana, a revelação pode acontecer por via da Literatura. Assim, o passeio pela Literatura não será supérfluo, mas um desvio necessário para nos encontrarmos com Deus em sua revelação e fazermos a experiência do Deus vivo. A Literatura projeta luz sobre a Teologia: possibilita o ser humano divisar conteúdos até então desconhecidos. Podemos dizer que a Literatura atualiza conteúdos da revelação, oferece significações novas, redescoberta de significados.

Não podíamos deixar de mencionar a importância literária de textos poéticos escritos por místicos cristãos, como São João da Cruz ou Santa Teresa de Ávila, e do valor literário dos textos de oradores sacros, como Padre Antônio Vieira, nos quais encontramos uma feliz síntese entre experiência mística e qualidade literária dos escritos dela decorrentes.

E o que dizer da Sagrada Escritura como obra literária? Sem dúvida, a Bíblia tem muito a ensinar a quem quer que se interesse por narrativa e outros gêneros literários. A Bíblia merece, sem dúvida alguma, uma apreciação estética. No entanto, os estudos da Bíblia como literatura, precisam ir além da análise das estruturas formais e investir numa compreensão mais profunda dos valores, da perspectiva moral contida num determinado tipo de narrativa. Diríamos que, ler a Bíblia, sempre incomodou os teólogos escolásticos acadêmicos por tirar-lhes o chão conceitual, abalar a precisão das formulações dogmáticas, adverti-los de que fazer teologia não é falar sobre o mistério, mas estar diante dele.

Referimo-nos brevemente à possibilidade da aproximação entre Teologia e Literatura e constatamos que a Literatura possui “poder teológico”, posto que a experiência de fé não se faça independentemente das outras experiências humanas e da cultura, mas aconteça sempre em um contexto determinado. É verdade que a Literatura fala do imaginário, mas o faz partindo do real vivido, da experiência. A Teologia utiliza a Literatura para aproximar-se do real vivido, como uma forma de dialogar com o ser humano e as culturas .

A seguir, tentaremos fazer uma leitura teológica de um texto literário cujo autor, Luiz Carlos da Vila, não tendo a pretensão de fazer teologia, toca a dimensão da fé, remete a Deus porque fala da existência humana, da vida. A obra literária de Adélia Prado, que analisaremos rapidamente é portadora de uma reflexão teológica. E o hino litúrgico, Ó luz gozosa, que também será objeto de nossa análise, é uma obra poético-teológica.

Obs: Imagem enviada pela autora.
Abraço – Escultura de Ceschiatti (Museu de Arte da Pampulha-BH
Foto de Claudio Costa com solicitação de autorização concedida.

As referências bibliográficas serão postadas na parte final.

A PARTE II será postada no próximo dia 16.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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