Marcelo Barros 22 de novembro de 2010

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Um dos atuais projetos de lei, proposto ao Congresso Nacional, propõe que se introduza na Constituição Brasileira o direito de todas as pessoas à felicidade, como objetivo a ser alcançado pela sociedade nacional e dever a ser salvaguardado pelo Estado. À primeira vista, parece estranho e sem sentido imaginar que a felicidade possa ser decretada como lei e um governo deva ter uma função neste domínio. Isso causa mais espanto em uma sociedade na qual o individualismo se tornou dogma inquestionável e as pessoas pensam a felicidade como algo absolutamente individual. Ninguém teria nada a ver com a felicidade do outro. Cientistas das mais diferentes áreas contestam isso. Em seu livro “Inteligência Emocional”, Daniel Golemann mostra que, quando há cerca de 125 milhões de anos, o ser humano se distinguiu dos outros mamíferos, o que marcou a diferença foi o surgimento de uma capacidade de associação afetiva que nos liga essencialmente ao outro. Naquela etapa da evolução, em uma espécie de mamíferos humanóides, em tudo semelhantes aos outros macacos, surgiu o cérebro límbico, parte do nosso sistema cerebral, responsável pelo afeto, pelo cuidado e pelos sentimentos. Mais tarde e somente há quatro milhões de anos, o nosso corpo desenvolveu o neocortex, a parte do cérebro capaz de razão abstrata, conceitos e linguagem racional. Todo o nosso ser é um só e tudo deve ser integrado. Entretanto, se fosse necessário, distinguir e hierarquizar nossas funções de forma isolada, temos de reconhecer: o ser humano é primeiramente um animal emocional e afetivamente ligado aos outros e só depois é racional. Para corresponder à natureza humana mais profunda, a sociedade deve se basear na colaboração e na comunhão e jamais na competitividade e na concorrência que, infelizmente, ainda se encontram nos empregos, nas escolas, nas famílias e até em comunidades religiosas.

“Bustão é um pequeno reino nas encostas do Himalaia, espremido entre a China, a Índia e o Tibet. Tem apenas dois milhões de habitantes e a capital é Timfu, com 50 mil habitantes. O país é governado por um rei e por um monge budista que, coordena o judiciário. Juntos dialogam com os conselheiros, responsáveis pelo legislativo. É o único país do mundo, no qual, de acordo com a lei do Estado, o objetivo do desenvolvimento do país não depende apenas do Produto Interno Bruto (PIB), mas, principalmente, do “índice de felicidade interna”. A cada ano, as pesquisas sociais não computam apenas o que o país produziu em serviços e bens de consumo, mas procuram saber se as políticas públicas foram capazes de sustentar e fortalecer no povo um “índice de felicidade interna”(L. Boff, Cuidar da Terra, Proteger a Vida, Record, 2010, p. 141).

A experiência humana mostra como a felicidade das pessoas depende de uma série de fatores imponderáveis e misteriosos. Um Estado bem organizado pode favorecer uma boa qualidade de vida nas cidades e no campo, mas não pode garantir que as pessoas sejam felizes. É claro que uma educação à solidariedade e à descoberta de valores mais profundos na vida podem ser fundamentais neste caminho. Em todo o Brasil, as diversas unidades regionais da “Universidade da Paz” e trabalhos similares têm ajudado muita gente a se encontrar e a desenvolver valores de vida mais profundos.

As novas Constituições cidadãs da Bolívia e do Equador ensinam que o sumak kawsat do povo Quétchua, ou o suma qamaña dos Aymara (o bom viver) é um objetivo social a ser perseguido pelo Estado e por toda a sociedade. Não se trata apenas de viver melhor, mas de viver dignamente e a partir da realização profunda das potencialidades da pessoa, sempre dentro da sua comunidade humana e na comunhão com a Mãe Terra e com todo o universo. O “bom viver” é realmente um jeito de viver solidário e afetuoso que respeita a individualidade das pessoas, mas ajuda cada uma a se desenvolver a partir de uma educação essencialmente comunitária e solidária. Ninguém pode ser feliz isolado. E ser feliz não depende da quantidade de objetos de consumo que se possui. Ter dinheiro pode ser útil para satisfazer necessidades básicas, mas se a sociedade as garante de forma saudável e justa, isso se torna relativo. O objetivo da construção de uma comunidade verdadeiramente integrada é o caminho da boa convivência.

No Brasil, para que possamos ter em nossa lei o direito e o dever à felicidade pessoal e comunitária, é preciso que, antes de tudo, criemos a consciência de que esta é a nossa vocação humana e espiritual. Quem é cristão deve se recordar de que o próprio Jesus declarou: “Eu vim ao mundo para que todas as pessoas tenham Vida e a tenham em abundância” (Jo 10, 10).

(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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