Nesta semana se reuniu em Roma o “conselho pós sinodal”, que ainda acompanha a aplicação do sínodo para a América, realizado em 1997. Como se recorda, em vista da celebração do jubileu do milênio, a Igreja quis conferir como estava inserida nos diversos continentes. Desta decisão, nasceram os “sínodos continentais”.
          Eles acabaram evidenciando uma dimensão muito importante da Igreja, a sua indispensável “encarnação” em cada continente. Historicamente não é difícil constatar que a Igreja teve uma experiência muito exitosa desta “encarnação” continental, na Europa, a partir da queda do império romano, até o advento da modernidade.
          Olhada sob este ângulo, a Igreja na América se apresenta como um claro transplante da Igreja na Europa. Mas nos últimos anos emerge a consciência de outras valiosas contribuições, que ajudam a definir o rosto da Igreja na América, e que não podem ser esquecidas ou deixadas de lado, como a contribuição indígena, com a complexa saga dos povos que habitavam o continente, e que sofreram o impacto da chegada dos europeus.
          Outro componente indispensável para a caracterização da Igreja em nosso continente, é a significativa contribuição dos povos africanos, que também vieram para a América, por outros caminhos e com outras motivações históricas.
          Tudo somado, fez com que a Igreja na América se caracterizasse sobretudo pela variada procedência de suas populações, com uma pluralidade de expressões religiosas, junto com o desafio da indispensável unidade, para que a Igreja na América consolide sua identidade, e contribua na implantação da Igreja em outros continentes.
          João Paulo II insistia em sua proposta de “um só continente e uma só Igreja na América”.
          Passados mais de dez anos do sínodo da América, é válido perguntar se surgiram novos problemas, ou se questões antigas se agravaram, a ponto de merecerem um novo sínodo.
          Uma situação nova é a crise econômica mundial, que surpreendeu os Estados Unidos e outros países centrais do capitalismo. A questão que se coloca agora, é a tentativa de repassar para os países periféricos a conta, dos déficits provenientes dos gastos com guerras, falências de bancos e de empresas, e outras dívidas a pagar. Na hora do aperto, o capitalismo repassa o prejuízo, forjando uma espécie de solidariedade às avessas, através do câmbio artificial ou de outros expedientes.
          Neste contexto, a Igreja teria um papel importante a desempenhar, ajudando a perceber equívocos, e convocar para uma nova visão da economia, como instrumento de verdadeira solidariedade entre os povos.
          Outra questão, antiga mas agora agravada exponencialmente, é a injusta situação de milhões de migrantes, sobretudo nas proximidades das fronteiras. Eles passaram de “indocumentados” para “ilegais” e agora são considerados “criminosos”. As cifras são assustadoras, de pessoas lotando as cadeias ou jogadas em “campos de migrantes ilegais” que infelizmente se assemelham aos “campos de concentração” da segunda guerra mundial.
          A Igreja na América não pode deixar de ouvir este surdo clamor de milhões de pessoas que se vêem rejeitadas, num continente que deve toda a sua trajetória à acolhida oferecida aos migrantes que aqui vinham chegando e se instalando, muitas vezes com prejuízo dos nativos.
          Valeria a pena um novo “sínodo para a América”, que levasse a Igreja a assumir profeticamente a causa dos migrantes, e lembrasse à América que ela tem, ao mesmo tempo, uma enorme dívida a pagar pela acolhida que os migrantes encontraram neste continente, e um testemunho a dar ao mundo inteiro, de que o caminho do futuro passa pela solidariedade, e pelo respeito aos direitos fundamentais que hoje estão sendo negados aos migrantes.
 

* http://www.diocesedejales.org.br/

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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