professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio

Parabéns, senhora presidente. Agora não se trata mais de futurologia, mas de realidade concreta e presente. Você foi eleita no segundo turno, com margem não desprezível. E é agora a primeira presidente eleita do Brasil. Parabéns, mais uma vez.

E por isso quero dizer-lhe algumas coisas que me vão dentro do coração. A você, Dilma Rousseff, presidente do Brasil, meu país. Coisas que me vão dentro e quero expressar. Um diálogo de mulher para mulher.

Segundo o mapa confeccionado pelos institutos de pesquisa e divulgado pela grande imprensa você viu bem de onde saiu a grande maioria de seus votos. Não dos estados mais ricos, mas justamente dos mais pobres. Daqueles que esperam que você não se esqueça deles, que por todos são esquecidos. Daqueles que continuam esperando que amanhã seja melhor do que hoje e que a vida não termine antes da hora por necessidades básicas não satisfeitas. Dos pobres, em suma.

Dentre esses pobres, estão muitas, muitíssimas mulheres. Essas para quem a pobreza é apenas mais um dos fardos que devem carregar sobre seus cansados ombros. Seus corpos extensivos que se multiplicam em filhos por todos os lados: na barriga, no colo, nos ombros, nas costas, na cabeça, ao peito, dão testemunho do que é a luta diária pela sobrevivência.

As mulheres pobres do nosso país são quantidade, presidente, e você sabe disso! São guerreiras a mais não poder, conseguindo transformar desgraça em graça e vida; fome em esperança; e nudez em fio de linha para costurar alegria. Sua própria existência é um milagre que o Criador reafirma todo dia. Deviam estar mortas, mas estão vivas. Deviam ter largado tudo para trás: o homem traidor, os filhos famintos que não conseguem alimentar, o desrespeito dos demais homens que acham que mulher sozinha é de todos, a desconfiança das outras mulheres, a ausência de oportunidades…

E, no entanto, aí estão. Não desistem e recomeçam dia após dia essa luta infindável que tem um só sentido: a primazia da vida. Vida que elas gestam em seus corpos, parem com dor e falta de assistência, alimentam com seus seios magros e botam para frente em um mundo hostil e injusto. Ao longo de anos e mesmo de séculos as mulheres – e muito especialmente essas mulheres –ouvem que são volúveis, instáveis, namoradeiras. Apanham e escutam dizerem que sabem por que apanharam. Trabalham tanto quanto ou talvez mais do que os homens e ganham menos, e são demitidas quando ficam grávidas.

Esse exército de guerreiras merece que a primeira mulher presidente do Brasil faça delas prioridade numero 1! Merecem que o novo governo tenha ouvidos abertos e atentos para suas necessidades, seus sonhos há tanto sonhados e tão pouco realizados, suas angústias e medos. Merecem, sobretudo, que a primeira mulher presidente do Brasil proceda como sua aliada e cúmplice. Que veja nelas a responsabilidade pelo futuro da nação. Elas e seus ventres maltratados mas livres estão quais artesãs tecendo o brasileiro e a brasileira de amanhã.

Enquanto nas altas esferas se pensa grande e se planeja “macro”, elas triunfam pela via do micro, da diuturna tarefa cotidiana, do cuidado generoso e incansável pelas vidas que são sua responsabilidade. Enquanto os homens fizeram guerra, elas fizeram amor e filhos. Enquanto os homens inventaram descobertas mirabolantes, elas criaram recursos para que a vida não se extinguisse e, ao contrário, se desenvolvesse muitas vezes a partir da precariedade e da escassez, e algumas vezes do nada.

Nossa tradição de mulheres no poder no Brasil não tem sido lá muito feliz, presidente. Claro que há honrosas exceções, mas na política… tem sido bem exíguo o bom desempenho das raras mulheres que têm acedido a cargos mais altos.

As mulheres brasileiras esperam que seu governo não engrosse a lista desses fracassos. Já tantos são os preconceitos que a mulher tem de enfrentar e quando consegue ultrapassá-los, muitas vezes acaba legitimando-os.

Essa mensagem que hoje lhe dirijo vai no sentido de esperar que não deixe que isso se repita com você. Governe com alma, com desvelo. Mostre no exercício da presidência a mãe e a avó que é na vida privada. Deixe seus sentimentos maternais aflorarem no exercício do poder. Não tenha medo deles. Eles serão muitas vezes, pode crer, seus melhores conselheiros, sobretudo quando implicarem em decisões que terão impacto direto sobre a vida das pessoas.

Às vezes dá a impressão de que você deseja passar uma imagem de durona, de “dama de ferro”. Acredito que seja só uma defesa de uma mulher que hoje detém o cargo mais alto do país num universo masculino. Baixe as defesas. Assuma sua identidade de mulher que sente, sofre e não resiste a um choro de criança. Não tenha pudor disso, pois é o melhor que Deus lhe deu.

Cara presidente, não é minha intenção dar-lhe conselhos. Quem sou eu para fazê-lo? Quis apenas expressar aquilo que constitui minha expectativa, ou melhor, minha esperança neste seu início de governo. Creia-me, foi apenas um abrir de coração, um desabafo. De mulher para mulher.

Maria Clara Bingemer é autora de “Deus amor: graça que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros.
http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape/

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