Djanira Silva 9 de novembro de 2010

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Quando ele amanhece assim, ameaçando parar, se fazendo de rogado, cobrando atenção para continuar a bater, deixa-me assustada. Então eu sei, é o velho relógio que, dentro do peito, reclama. Está trancado a sete chaves. Reajo. Ponho o pensamento em alerta e coloco rédeas neste desgovernado como num cavalo. Posso dominá-lo.
Já conheço estas artimanhas deste velho assanhado querendo voltar no tempo e se embrenhar pelos espaços onde ficaram as saudades encolhidas como mendigos em tempos de frio. Precisa de transfusão. As saudades de plantão estão prontas.
Aqueço as mãos. Amplio o espaço dos olhos. Busco ao meu redor uma passagem por onde possa fugir e ganhar os campos em busca dos remédios de que ele precisa para continuar vivo – ganho os campos, vejo as plantas silvestres com os cabelos assanhados pela doidice dos ventos, sinto no ar o cheiro e os gostos que abriram, no meu passado, caminhos certos para a volta.
Trancado e sete chaves. Não sei de onde vem esta ameaça. Apenas sei que é constrangedora e me tranca no mundo sem me deixar tempo para pensar. O coração trancado a sete chaves, o pensamento trancado a sete chaves a alma presa atrás de uma porta. Por que sete chaves? A mim sempre me bastou uma porta fechada, sem fechadura, sem travas, sem cadeado. A visão emparedada e sisuda sempre me deixou cheia de sugestões.
O vento corre desesperado e bate com força a porta do meu quarto. Um medo, um susto uma angústia que, mesmo depois de aberta a porta, ainda permanece como um demônio que tivesse invadido minha alma à procura das minhas fraquezas.
Hoje, nada o acalma. Mesmo abrindo a alma e escancarando os olhos não consigo libertá-lo desta angústia.
Meu Deus, onde estão as vozes que me assustavam por detrás das portas? Sinto falta delas. A ausência é solidão. A ausência é não ter com quem dividir o tempo que resta.
Já é noite. Posso ouvir, sentir, temer. Ouço um barulho estranho de asas fugindo no meio do nada. Sinto inveja de quem pode voar mesmo sem asas. Temo ficar aqui até que a morte nos separe. De quem? Eu me pergunto. Ela nos separa de tantas coisas e nos une a outras tantas. Muitas pessoas só começam a viver depois do depois. É, é assim mesmo. Talvez uma incoerência, uma tolice. Uma verdade, certamente.
Agora sei, eram estas bobagens que ele estava tentando me dizer no seu bater e parar sem fim.
Assim continuará enquanto a porta estiver aberta e ele trancado a sete chaves me protegendo das asas noturnas que voam para o nada. Assim seja, amém.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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