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Voltei a ir ao cinema.
Depois de um tempo de estio, envolvida em querelas tantas, abri de novo o espaço para o vôo por histórias outras…
Vivo o cinema assim: como oportunidade de entrar magicamente, por imagens e por sons, em um roteiro que não é o da minha vida e, por empréstimo, experimentar aquelas emoções que colorem a trama a que assisto e por onde me infiltro.
Assim me vi entre os limoeiros do “Lemon Tree”, vaguei por muitos espaços áridos e antagônicos, em um e outro filme, até terminar sentada na areia de uma praia maravilhosa “Do Outro Lado”, a espera de um encontro redentor.
Esses dois filmes, ambientados em fronteiras distintas, tratam, ambos, de temas muito próximos, que vão se sintetizar, exatamente na importância da tolerância.
Confesso que a palavra “tolerância” me era muito antipática em minha infância. Ser intolerante (de que muitas vezes fui acusada) me parecia algo como ser indócil, impaciente, desobediente, talvez.
Tolerância, mais tarde aprendi, era nome dado, também, para caracterizar um tipo de lugar sem limites morais: “casa de tolerância” era termo usado como sinônimo de prostíbulo. (Não há de ser, então, por acaso que é justamente a prostituta no filme “Do Outro Lado” quem fala em dar, ao cliente, atendimento “internacional”, reunindo “talentos” de muitas culturas.)
Uma nova compreensão de tolerância me encantava, hoje, quando saí do cinema.
E foi assistindo esse último filme que percebi que, em “Lemon Tree”, a lição subjacente é a mesma: de quanto sofrimento inútil provoca a incapacidade de conviver com as diferenças, de respeitar o modo de sentir do outro, de experimentar compaixão e de cultivar o respeito acima de qualquer valor.
No filme dos limoeiros, há um velho agricultor que, falando sobre as árvores, ensina todo o segredo da Vida, da maneira mais simples, mais comovente, mais verdadeira possível: porque fala pelo seu próprio sentir, espontâneo e genuíno.
Ali, existem também (como na outra fita) dois lados, só que estão estabelecidos pela separação margeada por apenas um pomar. E seus maravilhosos frutos acabam sendo condenados, porque são, de fato, ameaçadores, como símbolos do amor à terra e a seus produtos. E porque ela, a terra, contrariando as absurdas leis dos homens, é um território não passível de demarcar, impossível de controlar. Com o solo, só existe interação real a partir do cuidado que a ele se dá. Aí, como se diz lá na minha roça, a terra “agradece” oferecendo seus produtos com generosidade e profusão.
Em “Do Outro Lado” aparecem duas palavras chaves: arrependimento e sacrifício. Arrependimento, quer dizer um pender para trás, voltar-se, como tão bem nos ensinam os galhos flexíveis das árvores carregadas de frutos. Sacrifício – ofício sagrado – como o de arar a terra, de semear, de adubá-la, de regar e de colher, talvez o mais antigo ritual que reproduz a essência primeira do feminino, fundador da Vida.
Ligados, ali, a preceitos religiosos, tais termos (arrependimento, como cobrança e sacrifício, como ritual) vêm trazendo caminhos que possibilitam o encontro dos lados opostos, presentes, de fato, não só nas culturas externas distintas, mas nas culturas internas múltiplas, que se desdobram e se confrontam, dentro de todo ser humano.
É aí que entra a necessidade maior da tolerância: na compreensão de nossas crises pessoais, por sentimentos conflitantes, de que sequer temos consciência, muitas vezes. Projetando-os no outro, nos tantos outros, rejeitamos a possibilidade de integração dentro de nós e, junto com nosso próprio sentir, rejeitamos nosso semelhante e suas próprias complexidades, também.
Da mesma forma que no mundo intrapessoal e nas relações interpessoais, por ampliação crescente o mesmo processo se alastra para as relações entre as sociedades, até as relações entre as nações.
Quanto sofrimento, então, poderia ser evitado se fôssemos capazes de perceber, a tempo, a importância da “rega” e da “colheita”, como dos limões do primeiro filme ou dos tomates da segunda história!
Vocês hão de pensar que esses sejam filmes sobre alimentação ou sobre agricultura. Não exatamente; mas sim, simbolicamente.
Afinal, intolerância alimentar é um termo que nos diz da dificuldade de assimilação e metabolização de algo que é ingerido, como nutriente, para ser transformado em parte de nosso organismo. Rejeitado, como estranho, perde-se o alimento, que se deteriora, e perde o corpo, que deixa de integrar aquele poder energético repelido.
Voltando às questões das relações humanas, esses dois filmes me fizeram pensar na urgência de reaprendermos a olhar, a sentir, a tocar, a incorporar e principalmente a suportar (o significado maior de tolerar). Dar suporte aos estranhamentos e criar espaços de compaixão: pomares fecundos de frutos do bem-querer; do reconhecimento até mesmo das impossibilidades; e da gratidão pelos encontros verdadeiros , que hão de vir, então.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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