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Se a vida estivesse viva, encontrar os amigos seria tão natural e simples, que nem precisava marcar hora e lugar e o papo poderia ser daquele tipo de “cadeira na calçada”, que se estica pelo prazer e acaba sem pena nem remorso, porque pode recomeçar a qualquer hora que se quiser.

Se a vida estivesse viva, não se adiariam as demonstrações de ternura e de amor, porque elas brotariam fácil, fácil, da própria energia do momento; ninguém se obrigaria a gentilezas, com medo de não ser compreendido em sua necessidade de solidão.

Se a vida estivesse viva, não seria preciso mostrar a beleza de uma nuvem, ou de uma árvore ou chamar atenção para o canto de um pássaro; ao redor, haveria sempre alguém vendo e ouvindo junto e bastaria, aos dois, sorrirem entre si, de pura satisfação pelo encontro indizível.

Se a vida estivesse viva, não haveria a emoção de se descobrir que, apenas por sentir com intensidade, não se é um espécime raro em extinção; que existem outras pessoas cujos olhos brilham também, mesmo contrariando as regras sociais de decoro, aquelas que ensinam contenção e distanciamento.

Se a vida estivesse viva, os bebês não incomodariam a seus pais, em suas próprias casas, precisando ser afastados por comodismo e pela insegurança que foi criada no desempenho das funções materna e paterna; haveria tempo e espaço para acolher as crianças em seus próprios lares, valorizando-as por que são, como as flores e os pássaros, expressões sublimes do Sagrado.

Se a vida estivesse viva, não se encontrariam tantas criancinhas sendo levadas daqui pra lá, de escolas maternais para os cursos de inglês e dali para a natação e para os mil “play-isso-play-aquilo”, só porque seus pais acreditam que elas precisam estar, precocemente, preparadas para enfrentar a competição num futuro, que talvez nem venha a existir.

Se a vida estivesse viva, acabariam as cadeirinhas obrigatórias nos automóveis, que impedem o velho e salutar prazer de levar a criança aconchegadinha no colo e também cala a algazarra tão saudável dos meninos disputando o espaço no banco traseiro do automóvel; porque não haveria necessidade de carros tão possantes, nem tanta pressa de chegar a lugar nenhum, se a vida estivesse viva.

Se a vida estivesse viva, não seria preciso explicar tanta coisa, a tanta gente, o tempo todo; as diferenças e os desencontros seriam respeitados como parte do mistério, presente em tudo que há no mundo; assim, também, a gente não ia ficar gastando tanta energia com reclamações infindas, porque ia ser natural agradecer o Bem, que viria, conseqüência de uma convivência harmoniosa e do contentamento com o possível.

Se a vida estivesse viva, os médicos iriam continuar visitando seus doentes em casa; e conheceriam cada pessoa da família, seus regimes e culturas, o suficiente para entender como as doenças surgem e como podem ser curadas; desnecessária seria, portanto, a criação dos malfadados planos de saúde e dos loteamentos fúnebres e elitistas, em que se transformaram os cemitérios.

Se a vida estivesse viva, as festas juninas teriam fogueira de lenha catada no mato, os galhos ofertados pelas árvores que aceitam a poda feita pelo vento; quadrilhas sem ensaios profissionais; sanfonas tocando só música tradicional; bandeirinhas de papel colorido, coladas com goma de farinha de trigo, penduradas horas antes pela gente do lugar, com direito a muita brincadeira e criatividade enquanto se vai esticando, com os fios de barbante, a conversa e a alegria; quentão, pé-de-moleque de rapadura e amendoim, batata doce assada na brasa da fogueira; pau-de-sebo e correio do amor, que garante, aos enamorados mais tímidos, a distância certa dos poucos passos e a certeza do olhar cúmplice que atrai e conquista. Isto, se a vida estivesse viva, ainda!

Se a vida estivesse viva, não haveria tanto jornal empilhado, porque a gente nem tem mais coragem, nem curiosidade de lê-los; seria possível entender as informações que falam de dinheiro, porque afinal ele seria, sempre, coisa que se ganha com trabalho sério e honesto, proporcional portanto ao empenho e às necessidades, sem complicações que escondam jogos e trapaças.

Se a vida estivesse viva não existiria tanto medo; ninguém ia ficar tentando adivinhar o próximo risco ou a próxima ameaça em cada esquina, porque Vida que está Viva ocupa mesmo seu lugar, se alarga e preenche a gente de tal modo, que fica fácil viver, de peito aberto!

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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