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É a pergunta e o desafio lançado por Dom Pedro Casaldáliga na costumeira e sempre bela carta circular que abre a Agenda Latino-americana mundial 2011, que a Comissão Justiça e Paz da Família Dominicana apresenta nesta semana em Goiânia, como lançamento nacional da Agenda do próximo ano.
Quando a minha geração era criança, circulavam diversos “almanaques do ano” que nos davam informações sobre as datas em que ocorrerão as fases da lua, sobre santos e santas de cada dia, sobre receitas de cozinha e remédios caseiros. Era muito apreciado o Almanaque do Biotônico Fontoura, remédio que toda criança tomava para crescer sadia. As mães de famílias católicas apreciavam a Folha do Coração de Jesus. Hoje, mesmo em tempos de internet e de comunicação virtual, este tipo de livro continua apreciado. A cada ano, vários grupos e organizações editam almanaques e agendas que ajudam as pessoas a se situar no tempo e no espaço. Em toda a América Latina e em algumas nações da Europa, nos anos mais recentes, a Agenda Latino-americana mundial tem se constituído como um livro de cabeceira e companheiro de viagem para muitas pesso as e grupos que desejam um mundo novo possível e por isso trabalham.
Quando se fala em agenda, logo as pessoas pensam em cronograma de atividades a ser programada. Em 2006, em uma reunião em Caracas, eu estava junto com o amigo José Maria Vigil, teólogo encarregado da organização e redação final deste livro. Alguém nos perguntou o que fazíamos na vida. Ele respondeu: “Eu faço a agenda latino-americana”. Algumas pessoas, habituadas a que agendas de presidentes e de pessoas importantes são feitas por ministros e chefes de gabinete, o olharam espantadas, querendo saber de quem ele fazia a agenda. E ele falava do livro Agenda Latino-americana. Só pouco a pouco, no meio da conversa, o equívoco se esclareceu. As pessoas descobriram que o tal livro contém a programação de eventos e memórias que ocorrem no continente, mas é mais do que isso. Propõe uma reflexão de fundo que serve de tema para cada ano e que vári os autores e autoras discorrem na linha da metodologia do “ver, julgar e agir”.
Talvez muita gente se espante de que a Agenda Latino-americana mundial de 2011 tenha escolhido como tema a questão “Que Deus, que religião?”. Logo na carta introdutória, Dom Pedro Casaldáliga mostra que este assunto não tem sua importância restrita a religiosos, mas, ao contrário, hoje, é fundamental para a paz e a construção de um novo mundo possível. De fato, no passado, uma determinada visão sobre religião e sobre Deus levou povos a guerras e perseguições. O próprio Cristianismo compactuou com regimes totalitários e foi acusado de ser conivente com o sistema social e econômico responsável pela destruição ecológica. Em seus últimos anos de vida, um bispo santo como Dom Hélder Câmara se lamentava de que os governos e Estados que mais se destacaram como escravagistas e responsáveis pela injustiça social no mundo são justamente aqueles que mais se vangloriam de ser cristãos. Até no dólar se usa o nome de Deus como para justificar a riqueza de uns e a carência injusta sofrida por multidões.
Ao percorrer esta bela enciclopédia temática que é a Agenda Latino-americana de 2011, uma conclusão que se pode tirar é a mesma que, no tempo do nazismo, fazia o filósofo judeu Martin Buber afirmar a seus irmãos judeus no cativeiro: “Pelo fato de que muitos crimes e iniqüidades têm sido cometidos em nome de Deus, é preciso não deixarmos este nome nas mãos dos opressores. É preciso resgatar este nome como amor solidário, presente em todo ato de bondade e em todo riso de criança”. É isso que a Agenda Latino-americana mundial de 2011 consegue fazer e propor para o mundo de hoje.
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.