professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio

Um intelectual chinês de grande estatura ganhou recentemente o prêmio Nobel da Paz de 2010. Liu Xiaobo tem 55 anos, é professor de literatura e casado. Tem todas as características de uma pessoa com uma vida absolutamente normal. No entanto, tem algo de transgressão, que desde que o mundo é mundo e o ser humano se destaca como absolutamente original na criação divina faz com que a história seja escrita com consciência e decisões deliberadas. Pessoas como Liu Xiaobo revelam que a vida não é uma sucessão fatalista de acontecimentos automáticos, mas depende da atitude que tomarmos diante dela.

Por pensar e viver assim, Liu Xiaobo está preso, incomunicável, condenado a onze anos de reclusão na prisão chinesa de Jinzhou. Recebe apenas mensalmente a visita de sua esposa, que desde que lhe foi outorgado o prêmio Nobel anda com escolta e depois que foi visitá-lo para comunicar-lhe a notícia encontra-se em prisão domiciliar.

Para os que vivemos no Ocidente, o nome do agraciado com a premiação maior do planeta pode soar estranho. Mas para nos refrescar a memória, basta citar um acontecimento do qual todos nos lembramos, ao menos aqueles que acham história e memória importantes: os acontecimentos ocorridos em 1968 na Praça da Paz Celestial. Quem não se lembra dos tanques do exército chinês passando por cima de estudantes que manifestavam contra a ditadura e pediam seu fim? Pois Liu Xiaobo ali estava, participando. Discursou pacificamente e pediu calma aos estudantes, embora defendendo a mudança do regime ditatorial para a democracia.

Mas a trajetória de Liu Xiaobo não para ai. Ele foi igualmente o líder da famosa Carta Oito, assinada por mais de três centenas de intelectuais chineses, que reivindicavam o fim do unipartidarismo dentre outras coisas. Era um manifesto pela democracia, uma semente que ansiava por vir à luz. E veio! Foi plantada com tanto carinho e força que acaba de germinar no mundo todo.

Porém, o preço a pagar pela liberdade e pela paz às vezes é alto! E Liu Xiaobo sabe disso. Da prisão onde está por sua coerência sabe que nada se constrói em um mundo dividido sem ser de alguma maneira salpicado pelo conflito que gerou esse tipo de situação. O prêmio Nobel vem referendar sua luta, que é também a de tantos homens e mulheres no mundo inteiro em vários pontos do planeta.

O governo chinês deixou claro seu descontentamento. A China, através de sua chancelaria, ameaçou boicotar a Noruega pelo fato de ter escolhido um preso político para homenagear com a premiação mais alta do mundo. É, no mínimo, surpreendente que um país continente, tão poderoso economicamente, tenha esse tipo de reação. Se é fato que cada país tem direito à sua soberania e não deve ser manipulado por interesses outros, sobretudo por potências estrangeiras e alheias à sua cultura, o reconhecimento de uma vida que com coerência vem lutando pela liberdade é um valor universal. E é isso que diz a premiação outorgada a Liu Xiaobo.

Liu Xia, a mulher do premiado, revelou, após a visita que fez ao marido, que ele dedicou o prêmio aos que morreram durante os protestos pela democracia na Praça da Paz Celestial. Ela também estava presente ao massacre.

No entanto, como dizia outro idealista que conheceu muitas vezes a prisão, no século I de nossa era, Paulo de Tarso, a liberdade não está acorrentada. Seu sopro continua dilatando os pulmões desta humanidade tão combalida do século XXI, para quem o heroísmo do casal Xiaobo é um exemplo edificante e estimulante da grandeza e importância de não ter medo de dissentir, de andar contra a corrente, de lutar pelos grandes valores, ainda que com o risco da própria liberdade e da própria vida.

Maria Clara Bingemer é autora de “Deus amor: graça que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros. http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape/

Copyright 2010 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária ([email protected])

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