Vladimir Souza Carvalho 12 de outubro de 2010

 

Só fui conhecer Joaquim Nabuco (doravante, só Nabuco) nos idos de 1963. Tinha, então, treze anos. O professor determinou, como trabalho de casa, a elaboração da biografia de um brasileiro ilustre. Não sei explicar o motivo que me fez escolher Nabuco. O certo é que, na Biblioteca Pública Dom José Thomaz, de muitíssimos livros e saudosa presença, li a sua biografia e fiz um resumo, a meu modo, da trajetória de sua vida.

Para minha frustração, no meio dos trabalhos elaborados, o meu não foi lido na sala de aula. A escolha, feita de maneira aleatória, recaiu em outros, que, no momento, considerei de baixa qualidade e altíssima cópia, sem o traço de originalidade que acreditava ter impingido ao meu. Eu queria ver o meu trabalho lido pelo professor em sala de aula. Não vi.

Se a frustração me pegou nesse minúsculo aspecto de vaidade, alguns fatores positivos apareceram, entre os quais, ler a Minha Formação no Recife, de Nabuco, que me foi de uma utilidade jamais esquecida, por um detalhe bem simples: da mesma forma que Nabuco registrava que sua primeira providência, ao morar no Recife, foi a de ter se inscrito como sócio de biblioteca pública, procurei, numa doce imitação, fazer o mesmo, quando, nos idos de 1966, tive de estudar em Aracaju.

Eu segui os passos de Nabuco e, também, de retrato em punho, na seriedade de quem estava a praticar um ato de extrema importância para o seu futuro, como, de fato, estava, fui a Biblioteca Pública do Estado de Sergipe, e, lá, no primeiro andar, com foto 3×4 na mão, fiz minha inscrição, passando a condição de sócio, com poderes para retirar, semanalmente (com a obrigação de devolver, claro) três livros. Era meu primeiro dia em Aracaju como estudante do curso clássico, do Colégio Estadual de Sergipe.

Minha mãe, que tinha me levado para a casa de seu pai, onde me instalaria, testemunhou o ato de inscrição. A ficha, com meu retrato (tirado em foto oiti, como se dizia, naqueles tempos, em Aracaju) pregado com grampeador, e a anotação dos livros que, pelo menos, nos dois primeiros anos retirava, foi conservada.

Devo a Nabuco, assim, a ideia, na imitação do gesto. Da Biblioteca Pública Dom José Thomaz, em Itabaiana, para a Biblioteca Pública do Estado de Sergipe, em Aracaju, no meio estava a figura de Nabuco, cujo nome sempre me vinha à tona quando subia as escadas para ir ao primeiro andar levar e pegar novos livros.

Mais tarde, muito mais tarde, quando tinha de ajudar meus primeiros filhos a fazer algum dever de casa, impunha meu sermão, invocando a biografia de Nabuco, que fiz de acordo com dados colhidos em algum livro, na tentativa de lhes plantar a certeza de que quem se debruça nas páginas do livro, para alguma pesquisa, jamais esquece o que ali colheu.

Da biografia de Nabuco, que li, para o centenário de seu falecimento, rolou muita água por debaixo da ponte. Em todo caso, a influência recebida, no gesto de pura (e oportuna) imitação me faz despertar a estranha sensação de ser ou de ter sido amigoíntimo do grande pernambucano. Pelo menos, é o que sinto.

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Publicado no Diário de Pernambuco

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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