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Todas as pessoas que amam a justiça e a paz, cristãos e não cristãos, ganham em saber que, no sábado, 23 de outubro, à tarde, milhares de pessoas, membros de comunidades cristãs populares, católicas e também de algumas confissões evangélicas, se reunirão na cidade de Carmo do Rio Verde (GO) em mais uma “romaria dos mártires”. Este termo pode soar estranho. Entretanto, na caminhada das comunidades eclesiais do Brasil, ganhou um sentido próprio. Em grego, mártir significa testemunha. Nas últimas décadas, a luta pela justiça no campo e a defesa dos lavradores e índios têm sido importantes etapas de realização do projeto divino para um mundo renovado. Muitos homens e mulheres deram a vida para que a terra seja campo de fraternidade e não de ambição e opressão. Por isso, estas pessoas são consideradas mártires do reino de Deus e são “mártires da terra”.

Nos anos 80, Dom Pedro Casaldáliga, então bispo de São Félix do Araguaia e profeta de Deus, convocou cristãos de diversas Igrejas para se unir às comunidades daquela região, na memória do padre João Bosco Penido Burnier, assassinado por defender a dignidade humana de duas mulheres pobres, torturadas em uma delegacia do interior. Mas a romaria queria também recordar todas as pessoas que deram a vida pela justiça na terra e com a terra. Por isso, se chamou “romaria dos mártires”. A pequena Ribeirão Bonito, no sertão do Mato Grosso, se tornou sede do “Santuário dos Mártires”, embelezado com maravilhosas pinturas do artista catalão Cerezo Barredo. A partir dali, naquela região, ocorreram diversas caminhadas em memória dos mártires da terra. Agora, a diocese de Goiás e a Comissão Pastoral da Terra no Centro Oeste, com o apoio de vários movimentos de lavradores e organismos da sociedade civil realizam “a 4ª romaria dos mártires” nesta região de Goiás. Ela acontecerá sábado 23 de outubro, em Carmo do Rio Verde, cidade na qual, nesta data, em 1985, aconteceu o assassinato de Nativo da Natividade, pai de família e agente de pastoral de base da diocese de Goiás. Um ano depois, em Catu (GO), o agente de pastoral e catequista Vilmar de Castro caía vítima da mesma perseguição. Tanto Nativo como Vilmar foram alunos meus em cursos bíblicos de base. Ambos eram cristãos que deram a vida em defesa de seus irmãos e como testemunhas da paz e da justiça.

O sangue destes mártires não foi inútil. Ao contrário, fecundou a caminhada dos lavradores e de todos os famintos e sedentos de justiça. De lá para cá, muitos mais irmãos e irmãs têm se consagrado à mesma causa da realização do projeto divino no mundo.

Em Carmo do Rio Verde, esta romaria dos mártires da terra recorda e reaviva esta caminhada. Ela começará na hora em que o sol começa a se por. Assim o maior calor do dia não pesará sobre o povo caminhante. Além disso, simbolicamente, esta romaria será como uma luz em meio à escuridão de um país que continua sem uma justa reforma agrária. Ainda no começo dos anos 90, em uma audiência ao então presidente Sarney, o papa João Paulo II classificou a reforma agrária no Brasil como necessária e urgente. Igualmente, no ano 2000, pastores e líderes de oito Igrejas diferentes, reunidos no Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, propunham a reforma agrária como a base de uma maior justiça no campo e a correção de tantas desigualdades sociais no Brasil.

Além da participação de vários bispos e pastores, esta romaria contará com a presença e a palavra autorizada do Dr. Paulo Vanucchi, Ministro da Secretaria especial da Presidência da República para os Direitos Humanos. Em nome do governo brasileiro, ele reconhecerá Nativo da Natividade e outros mártires da terra como vítimas da estrutura injusta do nosso país e merecedores de todo o nosso reconhecimento. O cantor cearense Zé Vicente, autor de tantas músicas da caminhada ao longo destas décadas, animará a parte artística com um verdadeiro show participativo. Mas, o mais importante de tudo é que esta romaria dos mártires acontece em um momento no qual o Brasil se prepara para o segundo turno das eleições presidenciais e também para governadores de vários estados brasileiros. Ela é um sinal tanto para as pessoas que puderem participar da romaria, como para as que, estejam onde estiverem, se solidarizarem com este ato de fé e cidadania. É um ato público que, a partir da fé cristã e da espiritualidade ecumênica popular, sinaliza aos políticos brasileiros que a maioria do povo brasileiro quer um Brasil mais justo e que trate de forma mais digna os lavradores e todo o povo da terra. Para estes, ela será uma bênção porque atualizará a palavra de Jesus no evangelho: “Bem-aventurados (felizes) os pequenos, porque possuirão a terra” (Mt 5, 5).

(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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