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Nesta semana na qual o Brasil celebra a memória da sua independência política do Brasil, a sociedade civil se manifesta no 16º grito dos excluídos, com o tema: “onde estão nossos direitos? Vamos às ruas para construir um projeto popular”. O grito nos faz pensar em questões de estrutura do nosso país, mas também levanta questões do dia a dia. Por exemplo, no Brasil de hoje, por motivos econômicos e de emprego, pessoas da mesma família moram em cidades distantes. Quando se reencontram, alguns gostam de relembrar fatos da infância e até pintam com tintas fortes, situações que sofreram quando crianças. Outros não se sentem bem em recordar estes fatos. Não se recordam e não se reconhecem naquelas lembranças ou não se reconciliaram com o seu passado e com traumas da infância. Isso ocorre com pessoas, mas também com países. Na Argentina e Chile, nossos vizinhos, antigos ditadores são condenados à prisão e o governo mantém comissões de verdade e justiça. Aqui no Brasil, as famílias de pessoas que foram assassinadas pela ditadura militar continuam sem o direito de saber onde seus filhos foram enterrados e sem ver os carrascos serem julgados.
Para estimular os países a ter a coragem de assumir a sua história e, como dizia o papa João Paulo II, a purificação de sua memória, através da verificação da verdade e da justiça, a ONU celebrou no 30 de agosto, o “dia internacional dos desaparecidos”. No mundo, há vários tipos de desaparecidos sociais e políticos, desde pessoas que alguns regimes ditatoriais continuam matando impunemente, até refugiados políticos que se tornam apátridas por não encontrarem um país que os abrigue. Outros “desaparecidos” no mundo atual são crianças não cidadãs. No final de junho, em Ouagadougou, capital de Burkina Faso, na África, ocorreu uma Conferência internacional sobre “crianças fantasmas”. Provavelmente, poucos brasileiros ouviram falar nisso. Não se trata de alguma adaptação infantil da série Crepúsculo. Crianças fantasmas são as que nascem e não têm nenhum documento. Por isso, mais facilmente são vendidas para o tráfico de escravos/as, seqüestradas para o serviço sexual de pedófilos e até (pasmem!) mutiladas ou mortas por comerciantes de órgãos. Entidades internacionais calculam que, no mundo atual, existam 51 milhões de crianças não registradas (revista Rocca, 01/ 08/ 2010, p. 7). Uma associação não governamental da Europa descobriu, nas fronteiras entre Chad, Sudão e Etiópia, caminhões transportando crianças para ser vendidas como escravas em países vizinhos. No Brasil, ainda existem menores trabalhando como escravos em carvoarias e em fábricas clandestinas de tecido, nas periferias de grandes cidades. Há poucos dias, o presidente Lula sancionou uma lei que proíbe as pessoas infligirem castigos corporais a crianças. Isso ainda suscita discussões na sociedade. Uma revista de circulação nacional, a cada semana, mais sectária e odiosa, chegou a trazer como matéria de capa a pergunta: “Nem uma palmadinha?”. O que está em jogo é mais do que a intensidade da punição. É certo que uma palmada de mãe não tem a mesma gravidade de uma sessão de torturas em alguma instituição correcional desumana. Entretanto, a discussão é sobre a dimensão educativa do ato punitivo. Neste plano, de fato, nenhum castigo corporal respeita a dignidade humana da criança, nem serve profundamente como instrumento para o diálogo construtivo entre pais e filhos ou entre educadores e educandos.
No mundo atual, podemos ficar impressionados pelo fato de nossos antepassados ainda discutiam se índios e negros teriam alma igual aos brancos. Até hoje, ainda há pessoas que escravizam seus semelhantes. O que dirão as gerações futuras ao saberem que, ainda no século XXI, achávamos normal educar crianças com castigo corporal?
Nos tempos antigos, as categorias de excluídos da sociedade que eram como “desaparecidos” sociais eram migrantes, estrangeiros, pessoas cujas atividades ou comportamentos eram considerados fora da lei e das normas sociais e mesmo crianças e mulheres. Jesus revelou a preferência divina por estes que o evangelho chama de “pequeninos e objetos da predileção de Deus”. Jesus as tomou como companhia privilegiada em seus contatos e refeições. E afirmou: “Quem acolhe uma pessoas destas (excluída da sociedade), é a mim que acolhe” (Mateus 25, 31 ss).
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.