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            No princípio, na infância da humanidade, os deuses eram risonhos e terríveis, como as crianças. Assim nos contam as mitologias, a respeito de divindades tão humanas que com humanos chegavam a procriar e a lutar. Havia até híbridos : os semideuses e heróis. As criaturas divinas eram, em suma, seres humanos com o dom da imortalidade e com poderes – e fraquezas – ampliados, para o bem ou para o mal. E, se não fossem reais, pelo menos seriam poéticas. Seguramente, mágicas.
            Mais tarde surgiram as grandes religiões monoteístas atualmente existentes, falando-nos de um deus ainda terrível, mas já não muito risonho, bondoso é verdade, sobretudo inexorável, despojado dos humanos defeitos. A seus desígnios já não há possibilidade de escapatória ou burla – este deus não se apaixona, não se embriaga, nem persegue ou sente ódio, sendo assim não esquece. Ao homem, resta compreender humildemente que é em tudo inferior ao ente divino, e aceitar tal fato com alegria no coração. Esta divindade já quase não é mágica, embora seja mística, e já não há nela poesia, mesmo que se possa encontrá-la em sua criação.
            Por último, como fenômeno recente, surgiu a crença em outro tipo de ser superior. Definitivamente deixado de lado o caráter risonho e algo ingênuo, o novo ser supremo é completamente frio, cada vez mais infalível e despido de emoções, sejam as boas ou as más. Não há nele misticismo, ou magia, ou nada que não seja objetivo, tangível e palpável. À humanidade caberia, segundo seus profetas, submeter-se a seus desígnios e assim confortar-se, ou pretender negá-los, e perecer em miséria, ainda nesta vida, que com vidas futuras esta divindade não acena. À nova modalidade de deus, criado à imagem e semelhança de seus acólitos, chamam Mercado.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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