Padre Beto 27 de julho de 2010

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Um estudante preguiçoso e de pouca vivacidade, com a intenção de justificar o seu pouco rendimento nos estudos, queixava-se ao seu mestre de lhe faltarem belas roupas, um moderno computador, um ótimo celular, enfim, condições físicas que pudessem ajudar a dilatar sua inteligência. “Preste bem atenção, meu filho”, aconselhou o mestre, “estas coisas servem somente para ampliar o alcance de sua inteligência e não para criá-la. De nada adianta estas coisas para quem ainda não descobriu a inteligência que possui!”

Desde os primeiros filmes dos gêneros terror e ficção científica, como “Metrópolis” ou “Frankenstein”, o cinema vem tematizando a relação do homem com sua criação, com a tecnologia. No filme “Exterminador do Futuro” desenvolve-se um verdadeiro duelo mortal entre máquinas e seres humanos. Na trilogia “Matrix”, o ser humano luta para se libertar do controle exercido por um sistema de computação altamente desenvolvido que vive da energia dos seres humanos e os domina através de uma realidade virtual.

Deixando as visões apocalípticas e as narrativas fantasiosas de lado encontramos nestas e em outras produções cinematográficas uma temática de extrema atualidade: a influência dos avanços tecnológicos em nosso cotidiano. Frutos da inteligência humana, os avanços da tecnologia vêm fazendo parte de dia-a-dia e, mesmo enfrentando as dificuldades e contradições de uma economia terceiro-mundista, grande parte da população acaba por usufruir de coisas como televisão, internet, celular, etc. Sem dúvida alguma, as inovações tecnológicas não podem ser vistas como ameaças à vida humana e muito menos como instrumentos do mal. Porém, o uso que fazemos delas é capaz de criar uma triste contradição: um sinal da inteligência de nossa espécie pode gerar a limitação da mesma. Como em relação às coisas naturais, o ser humano pode tornar-se dependente da tecnologia e esta, por sua vez, pode levá-lo a uma alienação de si próprio e de sua realidade. Diante da tecnologia, faz-se necessário, segundo Martin Heidegger, que o homem contemporâneo assuma uma postura denominada pelo filósofo de “serenidade diante das coisas”. Nós podemos dizer sim a todo o avanço tecnológico, lutar para uma socialização dos mesmos e ao mesmo tempo continuar a ser senhores de nossa vida possuindo sempre o poder de utilizar a tecla “desligar”. Nossa relação com os objetos que fazem parte de nosso universo será assegurada pela “serenidade” sempre que tivermos a consciência de que estes objetos estão a serviço do homem e não vice-versa. Em outras palavras, o ser humano poderá utilizar-se de toda a tecnologia e de todos os avanços da ciência e se manter livre de sua dependência, se tiver sempre preparado para viver sem eles. Diante do avanço da tecnologia que se torna cada vez maior é necessário entender que a sua utilização não pode ser critério de exclusão social, de dependência, diminuição da mobilidade física, rompimento do diálogo ou distanciamento de nossas relações sociais. Pelo contrário, a tecnologia está a serviço do ser humano para que este tenha mais tempo de saborear as diferentes dimensões da vida. Afinal, as inovações tecnológicas possuem sua razão de ser na criatividade e na vida do ser humano. “Chegará um dia em que as máquinas pensem, porém elas nunca terão fantasias” (Theodor Heuss).

Ao lado da “serenidade diante das coisas”, o mundo contemporâneo exige do ser humano a postura de “abertura para o desconhecido”. Os seres humanos movimentam o desenvolvimento das ciências e da tecnologia, mas não possuem conhecimento exato das conseqüências de suas inovações para o futuro. O mundo do conhecimento esconde sempre um verdadeiro mistério. Este, porém, não deve inibir as iniciativas para novas descobertas e melhoria da qualidade de vida do ser humano. “A única maneira de descobrir os limites do possível é ir além deles para o impossível” (Arthur C. Clarke). A “serenidade diante das coisas” e a “abertura para o desconhecido” devem ser posturas que caracterizam o ser humano de nossa contemporaneidade. Elas nos trazem a possibilidade de avançarmos em direção ao novo e, ao mesmo tempo, conservarmos o que é bom em nosso universo. O grande perigo para o ser humano não se encontra nas possíveis conseqüências dos avanços tecnológicos. O único perigo que desafia o ser humano no século 21 se constitui na alienação de sua realidade e de sua condição humana. A terrível ameaça para a espécie humana está na perda de uma prática saudável e que deve ser sempre desenvolvida: o pensamento. Nós corremos o risco de deixarmos de pensar, raciocinar e questionar criticamente diante da comodidade que os avanços da tecnologia podem nos oferecer. “O pensar deveria ser ensinado como se ensina a dança, como um tipo de dança” (Nietzsche).

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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