teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.
Na feira de Paraty, um dos mais importantes eventos literários do Brasil, Terry Eagleton vai falar sobre seu livro “Reason, faith and revolution”, ainda inédito no Brasil. No livro, o autor ironiza o ateísmo militante de autores como o zoólogo Richard Dawkins e o jornalista Christopher Hitchens. O crítico afirma que os neoateístas se tornaram um braço intelectual da guerra ao terror e defendem uma versão caricatural do Iluminismo.
O fato é que em meio a uma secularização que não parece recuar, mas sim avançar, sobretudo na Europa, berço do cristianismo, causa espanto ver que a discussão sobre Deus ganha cada vez mais centralidade e importância. Que o diga o grande filósofo Jürgen Habermas, que no ano passado celebrou 80 anos de idade, cujo novo livro, “An awareness of what is missing” (Consciência do que está faltando), tenta pensar o lugar da religião numa sociedade democrática, em debate com teólogos jesuítas.
Pelo visto, Deus não morreu, pelo menos no pensar humano do século XXI, que parece ter saudades dele e reflete sobre o que está faltando ao ser humano de hoje. Se sua volta pode ser qualificada de prodigiosa, é porque ele andava desaparecido de todas as finalidades úteis e eficazes das filosofias marcantes desde a segunda metade do século XIX.
O processo parece situar-se a partir dos anos 80. Aí Deus começou a ensaiar uma tímida volta, sobretudo nos escritos do filósofo judeu Levinas, seguido de perto por outros como Jean Luc Marion, Michel Henry, Remi Brague. Essa volta amplificou-se no decurso dos anos 90, logo após a queda do socialismo real e sua metafísica da secularização, entendida como o final de uma representação de um divino separado do humano e o divino inscrevendo-se no mundo sob a forma racional do Estado moderno, trazendo então o chamado fim da história.
A partir daí muitos pensadores importantes recomeçaram a falar de Deus, entre outros Habermas, Derrida, Vattimo. No entanto, este retorno de Deus não é unanimemente feito em nome da razão. É visto por alguns pensadores pós-modernos como uma consequência do fim da modernidade e da fé na razão. Se a modernidade repousa sobre a razão e a ciência erigidas em mitos, seu fim nos obrigaria a recolocar em questão o julgamento que ela fazia sobre a religião como uma superstição da qual a modernidade deve nos libertar.
Na verdade, a secularização que se sente avançar impávida e iniludível sobre o mundo antes chamado cristão, a parte ocidental do globo terrestre, choca quando se vê países como a Irlanda, que exportou missionários para o mundo inteiro e onde a capital, Dublin, já não possui catedral como templo religioso. Este foi vendido e agora está transformada em um mercado que vende quinquilharias e monumento aberto à visita de turistas de várias nacionalidades que ali passeiam em total indiferença ao mistério tantas vezes abrigado e celebrado entre suas paredes.
Na verdade, a noção de secularização encontra sua origem na religião, no seio do cristianismo institucional, que separa a esfera sagrada da secular. E a separação começa a fazer-se mais visível e maior na medida em que a autonomia da razão humana salta clamando por sua existência e preponderância.
O fato é que o reinado absoluto desta razão parece não satisfazer o ser humano, que sente saudade e nostalgia da Transcendência e começa a expressar esta saudade a plenos pulmões.
O grande teólogo Karl Rahner, na primeira metade do século XX, já dizia com muito acerto. Se um dia a palavra Deus fosse banida do horizonte humano a ponto de não restar nem a memória do que ela um dia significou e de seu sentido para os seres humanos, não seria Deus na verdade quem teria desaparecido, mas sim o próprio ser humano.
Ser em contínua auto transcendência, negar a Deus no fundo é negar a própria humanidade de corpo animado por um espírito que ele mesmo não pode se dar, o ser humano parece ter identificado sua carência. Oxalá as religiões ainda sejam capazes de responder a essa carência de maneira adequada e fecunda. É o que pensadores como Eagleton e Habermas parecem querer dizer com sua ciência e seu pensar.
Maria Clara Bingemer é autora de “Deus amor: graça que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros.
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